NA DESVIRADA DA NOITE..."SINAL DE GPS PERDIDO!"

Anoitecia na tresloucada Sampa de sempre e eu, em meio ao trânsito infernal, acionava meus botões ao olhar o derredor.

Seguia dirigindo...e pensando..."meu Deus , essa cidade é coisa de louco...".

Era início de mais uma noite de virada, a VIRADA CULTURAL, e alguns amigos me aguardavam para um "Stand Up" de humor.

Nasci em São Paulo, mas confesso que pouco reconheço minha cidade. Perdi os caminhos que me eram familiares.

Assim, sempre que tenho que me deslocar do "meu quadrado" para uma área mais central, sempre pondero o local, o horário, os custos benefícios em relação à preservação da vida.

Sim, a cidade tem de tudo , mas é muito violenta.

Vou de táxi, de "Uber", de Metro, ou vou dirigindo?

A cidade carece de estacionamentos, mesmo assim, resolvi me deslocar por minha conta e risco, a procurar estacionar num local algo mais seguro e próximo ao destino.

Rodei , escutei (sinal de GPS perdido!) , rodei mais um pouco, perguntei dos caminhos , ouvi do informante "Ei, fecha o vidro que aqui é perigoso...". e finalmente consegui um local para aportar...vinte quatro horas de funcionamento.

Vivas!

-Boa Noite. -disse eu ao manobrista .

-A senhora pode deixar o carro , eu levo.

-É que...sabe, eu gostaria de eu mesma estacionar e ficar um pouquinho aqui, até o teatro abrir. Cheguei cedo demais. Posso?

-Claro, vou arranjar um lugarzinho bom pra senhora.

Fiquei um pouco ali, mandei umas mensagens , depois tranquei o carro e fui até à guarita do manobrista.

-A senhora já vai?

-Vou aguardar mais um pouco. Vc conhece esse grupo do show anunciado?- perguntei ao manobrista.

-O pessoal gosta. Eu pouco consigo sair daqui.

E num ato de gentileza ele me colocou sua cadeira para que eu aguardasse ali. E a conversa rolou...

-Você vai ficar a noite toda no trabalho?

-Sim, hoje estou em horas extras para aumentar minha retirada e mandar parte para minha família.

-Você não é daqui?

-Não, estou aqui há três anos , vim para cá com vinte oito anos e não consigo tempo para fazer outra coisa que não seja trabalhar. São Paulo é o lugar das oportunidades de trabalho.

Vinha ele de uma cidadezinha do interior de um belo Estado nordestino.

Eu, em plena antítese de espaço, que pelo caminho até ali vinha pensando em me mandar da agitação de Sampa, não pude deixar de lhe perguntar:

-Não seria melhor ganhar menos e viver num local tranquilo como a sua cidade?

-Seria...mas muitas coisas me obrigaram a sair dali -me disse em tom triste. "Agora que estou "velho" eu percebo mais o que é a vida..."

-Você mora por aqui?

-Não, eu levo duas horas para vir e mais duas para voltar...e nas minhas folgas preparo a minha marmita da semana e faço os serviços domésticos.

-E você não consegue um lugar mais próximo do trabalho para morar?-lhe perguntei já observando profundamente o seu cansaço no olhar.

-É que, na verdade, minha casa é essa guarita.

A chegada dum automóvel interrompeu a nossa conversa. Ele foi prontamente atendê-lo. Meu celular tocou e eu me despedi dele.

- Tchau, moço, boa sorte para você...

-Vai com Deus, foi muito bom conversar -ele me respondeu.

Senti um nozinho me apertar a garganta.

Assim, entramos no teatro para um show de comédia; eu na grande esperança de que a grande VIRADA CULTURAL acontecesse dentro de mim...e dentro dele também.

Há enredos que urgem pelas desviradas das noites...pelos tantos, nem sempre humorísticos, palcos das vidas.

Quem sabe, um dia, todos nós reencontremos o SINAL DO GPS PERDIDO...para uma verdadeira grande virada?