O minimalista forçado
A gente chama ele de "Cris". Mas Cristiano não gosta de ser chamado de "Cris", prefere seu nome original. Vê, na diminuição do nome, a diminuição da pessoa. Por isso, quem se deparar com Cris, se deseja sua atenção, deve tratá-lo por Cristiano, que Cristiano já teve carro, apartamento, relógio, celulares, férias em Ibiza... Hoje Cris tem apenas uma casa improvisada no morro da Babilônia, uma cadeira, uma mesa e um colchão no chão.
Suas roupas? Basicamente: 2 camisetas brancas, não tão brancas, devido ao uso constante; 1 calça preta e um par de havaianas. Para quem já teve guarda-roupa exclusivo, colorido, com compartimentos, não deixa de ser uma constatação desedificante.
A vida regrediu bastante para Cristiano. Cristiano não imaginaria um dia ser Cris. Antes, em seu ciclo social, difícil alguém imaginar que Cris e Cristiano viessem, um dia, a ser a mesma pessoa. Nem mesmo seus amigos mais diletos e menos liberais, figuras frequentes nos regabofes e cafés de fins de semana.
Aliás, a dieta alimentar de Cristiano emagreceu bastante. Pela manhã, antes, frutas e cereais; hoje um copo de água; no almoço, varia entre arroz e arroz; no jantar, outro copo de água, porque, nesse caso, variar de menos pode ser mais uma complicação desnecessária. Essa dieta, incrivelmente, apesar de limitada, tem-se mostrado suficiente para manter Cris relativamente ativo, relativamente saudável, relativamente vivo, o que seria praticamente impossível se Cris deixasse de ser Cris e voltasse a ser Cristiano. Voltasse a ter poder de consumo, voltasse a ter coisas: carro, apartamento, relógio, celulares, férias em Ibiza, rede social.
Hoje Cris não tem rede social, muito menos redes sociais, sequer rede. Seu lazer consiste em meditação forçada: contemplação de uma parede branca e pública. A parede branca pertence a um órgão público, que fica em frente a uma praça, ainda pública.
Senta-se Cris no banco da praça, e fica ali, horas, olhando a parede branca, meditando, contemplado. Queda-se ali Cris, por horas, longe de Cristiano. Quem passa e o nota, o que é raro, jamais suporia que Cris, um dia, foi Cristiano, e vice-versa. Quem for além e tiver coragem para uma conversa tranquila, ainda que sobre silêncio e paz interior, é só colar no Cris.
Hoje Cristiano é do tipo que, quando convidado para uma festa, é dos que dizem "Vai ter muita gente?", e se a resposta for positiva, vem uma recusa em forma de alegação: "Muita gente, muito barulho, muito tudo."
Hoje Cris consegue tornar tudo tão emocionantemente cômico que chega a ser cômico. Tem, muitas vezes e não por querer, deixado de lado o necessário, para focar no essencial. Vive um minimalismo involuntário, exagerado pelas circunstâncias pós-PIX, é verdade, mas pelo menos encontrou a desculpa perfeita para não ter que arrumar a cama.