Sem penas não se voa!
Os animais noturnos já haviam se recolhido, o ratinho temeroso do grande chinelo e da vassoura que dias antes haviam tirado a vida de um seu irmão, observava os primeiros passos do dia pela lacuna daquele grande armário abandonado cheio de papéis do passado. O filho rebelde da família de homens só naquela hora chegava, fora de seu fuso vindo da balada. Os insetos da noite com suas “irritantes” melodias recolheram seus sons dando lugar a outros, agora eram as insuportáveis moscas que invadiam os ambientes com seus zunidos.
O Mundo não é feito de silêncio, ele não existe, e denunciamos onde estamos pelos mínimos barulhos que produzimos. E somos milhões, entre homens e bichos, a fazer pequenos e grandes barulhos, não dando ao nosso universo a necessária ausência de barulho. A sonhada paz celestial só a terá quem morra, quando não mais escutará os sons da terra. São os barulhos que nos guiam nas trevas, nos assustam na floresta, nos fazem falar mal na cidade dos modernos carros com um amontoado de cornetas e auto-falantes, que mais se assemelham a um trio elétrico do que uma máquina de transportar.
Por baixo do telhado da casa, artesanalmente feito de gravetos, em cima da laje fria, um casal de pardais havia feito o ninho, com três ovinhos que ali estavam no início da semana, vistos de longe pelos habitantes do térreo, que pelo alçapão de acesso (não o alçapão de prender os pássaros), observava e acompanhava os dias de gestação, também chamado de ato de chocar, sem que molestasse os futuros voadores. Futuros! Bem digo eu, mas um deles dos pequeninos que nasceram não entendeu e...
Naquele dia nos primeiros minutos, um filhote de passarinho ainda sem penas tentou instintivamente voar. O macabro desfecho assistido por aquela menina de poucos anos, nascida no dia de São Francisco de Assis, fez-la chorar ante ao minúsculo corpo estatelado no chão do pátio. Enquanto o casal de pardais voava agoniado, como se pudessem ressuscitar, ou pelo resgatar o corpo da cria. A menina chorava, e com a sabedoria das crianças disse; “Só vou voar quando tiver penas”.
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Seu Pedro só arrisca vôos rasantes, pois aos 60 anos corre o risco de se cansar no meio de um logo vôo!