SAUDOSA MALOCA...
Vocês são mesmo uns fanfarrões hein? Que patuscada foi essa que vocês se enfiaram ontem? Disse o Cláudio, dono da lanchonete, enquanto espremia um limão em uma caninha pra servir o cliente.
Foi lá na Vila Assis! Respondi enquanto beliscava uma porção de fritas.
Tenho pra mim que isso é pendenga de futebol do Babinha com os caras do Vila Assis.
Desta vez não! intervim, assumindo a culpa. E foi assim que começou a narrativa de uma noite repleta de emoções, transformando-nos em protagonistas de uma história digna de um romance de aventura.
E deu até polícia?
A Militar e a civil. A essa altura as pessoas já começaram esticar o pescoço para ouvir a narrativa.
A atmosfera no casamento do Cidão era descontraída e animada. Após desfrutar da festa, decidimos partir antes da meia-noite e optamos por um atalho pela Vila Assis em direção ao Centro. O grupo incluía o Jaime, o Babinha, o Nado, o garoto Edilson e eu.
- Passar no Vila Assis fora de hora? Vocês não tem juízo mesmo.
Dobramos a esquina e nos deparamos com cerca de uma dezena de sujeitos reunidos em torno de uma fogueira. Um cheiro de mato queimado rescendia na atmosfera. O clima ficou tenso. Passamos por eles tentando manter a calma, mas então, um dos indivíduos decidiu intimidar:
- E essa bichona de calça branca aí? Instintivamente, parei no meu caminho. Os outros também pararam. Mas o garoto Edilson recuou e se manteve na esquina. Aquela atitude estratégica acabou salvando a nossa pele.
Vocês são malucos! Disse o Cláudio, secando a mão em um pano que trazia no colo. Mas então? Quando a Polícia entrou na parada?
Calma! Polícia raramente aparece quando a gente está em apuros!
Agora não tinha mais jeito. Seguindo o lema do nosso grupo - "Perdido por perdido, truco!" - encarei corajosamente o grandalhão que se aproximava, e o questionei: "Você falou comigo, amigo?" O indivíduo, pego de surpresa, respondeu com uma negação pouco convincente: "Não foi com você não!"
-Então, peço desculpas! Estávamos prestes a nos retirar discretamente quando alguém gritou: "Deita o braço, Jorjão!" Como eu estava na linha de frente, fui o primeiro a receber um golpe forte, mal aparado pelo antebraço. Era evidente que não poderíamos enfrentar aqueles sujeitos. Tentamos fugir, mas não conseguimos. Em meio ao caos, vi o Jaime lutando com o Jorjão. O Babinha se lançou sobre ele, mas acabou sendo agarrado pelo colarinho, e sua camisa se rasgou por completo na costura. Eu e o Nado tentamos libertá-lo, mas não tivemos sucesso.
Então vocês só apanharam? Tomaram uma surra? Tomaram uma esfrega?
- Bom, se aqueles sujeitos realmente quisessem nos machucar, estaríamos em apuros. Mas parecia que estavam apenas tirando onda.
E a Polícia chegou?
Qual nada! Enquanto o duro vai não vai, o garoto saiu pela tangente e correu até o salão onde estava rolando a festa. Voltou com a cavalaria. O Jair Negão já desceu com o câmbio do fusca na mão descendo o sarrafo. Chegaram quatro carros tinindo, fritando os pneus na frenagem e cuspindo pessoas, que mais pareciam um bando de vikings tomando de assalto um castelo. Até mesmo o noivo estava lá no meio do fuá. Percebendo que estava encurralado, o tal Jorjão tentou desesperadamente fugir.
E vocês deixaram?
Batemos atrás dele. A gente pega não pega e ele fugindo por vielas e becos.
Vocês estão malucos. Só você, o Babinha, o Nego Jaime e o Nado? No meio da Vila Assis?
- Pois é! Percebi a tempo e voltamos pra junto do pessoal. O Beto, sempre prestativo, emprestou o Blazer para o Babinha cobrir o estrago na camisa. Nos despedimos, com um misto de alívio e ansiedade, e seguimos em direção ao Centro. Decidimos fazer uma parada estratégica no Jóia para tomar umas geladas, tentando relaxar e baixar os níveis de adrenalina. Mas, quando a sorte é madrasta, não tem jeito. Foi nesse momento que a Polícia apareceu. Bastou uma olhada para aquele grupo todo mal ajambrado e já vieram cheios de razão.
- Vixe! Ferrou de vez!
- Ficamos igual lagartixa, com as mãos na parede. Mas foi de boa. O problema foi quando foram revistar o garoto:
- Tira a mão de mim! Gritou com o Policial. Vocês sabem com quem estão falando?
- Não acredito! Ele deu uma carteirada nos Policiais?
Dá para acreditar? Os Policiais, trocaram uns olhares. Parecia até que iam relevar. Deram corda para o garoto, deixaram ele crescer e depois desceram o braço.
O Nado quis protestar mas de cima eu falei:
- Os homens estão com a razão! A gente desenrola na Delegacia. Jogaram o garoto no carro e foram registrar ocorrência. A gente já estava saindo pra ir lá na Civil, que fica próximo, mas o Babinha disse que era melhor secar as garrafas primeiro. O Nado foi na frente. Nesse meio tempo, os Policiais retornaram. Estavam pianinho. Chamaram o bigode pra uma conversa. Deu para entender que estavam arregando:
O Senhor viu o que aconteceu? Puxa vida, a gente estava trabalhando tranquilo e esse pirralho vem desacatar a gente? Viu que ousadia? Que arrogância? Isso é crime!
Quando ouvimos isso a conclusão foi uma só! O Mangabeira já estava na delegacia. Saímos apressados para a Civil. A confusão já estava arrumada. O Mangabeira gritando furiosamente com o filho. O Nado tentava intervir:
Pô Mangabeira! Pega leve aí. Teu filho foi espancado!
Mangabeira é o escambau! Doutor Mangabeira! E já passou uma carraspana no Nado também. O garoto saiu em defesa do Nado. A cena era surreal: O Mangabeira retirou o cinto para dar no garoto, mas sua calça escorregava. Foi então que o delegado interveio, tentando separar os dois. A situação estava fora de controle. Era difícil acreditar que aquilo estava acontecendo dentro de uma delegacia.
Pra piorar o Mangabeira chamou o Nado de pândego e boêmio. O Mangabeira tinha certa classe técnica e jurídica para descompor e agravar uma pessoa, mas quando perdia as estribeiras baixava o nível geral. Disse que todos nós éramos um bando de beberrões e arruaceiros e que estávamos desencaminhando o seu garoto. Falava e gesticulava como se estivesse em uma tribuna.
-"E tem mais!" gritou o Mangabeira, exaltado. "Na minha casa o senhor não pisa nunca mais! Nunca mais! Está entendendo?" A ameaça era clara e direta, mas o Nado não se intimidou. Com um tom desafiador, ele disparou: "Eu vou é casar com a sua filha!" A reação do Mangabeira foi imediata, quase tendo um colapso. O delegado teve que intervir, oferecendo-lhe um copo d'água para acalmá-lo. Aproveitamos esse momento e caímos fora dali. Voltamos para o Jóia, para tomarmos uma saideira.
Agora foi que eu fiquei mesmo chateado, disse eu! O Mangabeira chamou todos nós de pinguços, cachaceiros e arruaceiros?
E o Pior é que ele tem toda razão, disse o Jaime caindo na risada. Vamos beber até afogar as mágoas. Ou então, até que as mágoas aprendam a nadar! Temos uma reputação a zelar!
- Bigode! Desce mais uma rodada aí. Vamos brindar.
- Brindar o que?
- Casamento do Nado! E todos nós caímos na risada. Saímos de lá bem alegres.
- E aquela zoada que teve na viela durante a madrugada? Foram vocês? Disse um dos presentes.
Quando chegamos na Vila, o Jaime queria por que queria pegar um pato para fazer dele um churrasco.
- Que pato? Aqui não tem pato nenhum?
Pois bêbado sabe lá a diferença entre pato e ganso? Foi cercar um ganso tentado pegá-lo desprevenido.
Pronto! Outra confusão estava armada. Os bichos já chegaram dando voadora sentando o dente no Jaime. Fomos acudi-lo e eles partiram para cima numa ignorância que só vocês vendo. E que alvoroço eles fizeram. Correram atrás da gente até o pé da escada. E quer ver uma coisa que não vai para frente é bêbado correndo ladeira a cima…
EPÍLOGO
Bem, se vocês chegaram até aqui é justo que lhes dê um arremate de nossa saudosa maloca:
Ronaldo – Nado. Encontrou o amor e a felicidade construindo uma família sólida ao lado da esposa, a filha do Madureira. Vai celebrar o 60tão com uma festa. Estive com ele recentemente. Está aposentado e toca uma loja de flores com a esposa. O Mangabeira demorou bem uns cinco anos para aceitar o Ronaldo, mas este deu-lhe netos e bisnetos que fazem-no de gato e sapato.
Jaime Brás- O Jaime foi passear no “norte” e voltou casado. E isso já vai pra uns 40 anos. Mora no interior de São Paulo. Tem filhos inteligentes e politizados. Mantemos amizade e contato por meio de redes sociais.
Edilson – O garoto hoje é escritor. Figura popular na cidade. Já escreveu uns três livros. Caso algum dia resolva escrever memórias é bem provável que reescreva essa história.
Enivaldo - Babinha… + 2018. O Babinha ficou para trás e foi ladeira a baixo. Todos nós tomamos um rumo praticamente na mesma época e ele continuou na mesma. Lamentamos muito o ocorrido. Eventualmente visito sua família. Sua mãe representa muito para mim.
Magno - o Coelho. Não está nesta história, mas está em tantas outras. Hoje é um Batista Reformado e próspero empreendedor no ramo de móveis para escritório. Mantemos laços de amizade e vínculos comerciais.
Esse que vos fala - Três anos após esses fatos encontrou- se com a luz. Voltou para a igreja com quatro cicatrizes no couro. Morreu um boêmio, nasceu um cristão. Conheceu uma linda jovem, casou-se e teve dois filhos, hoje formados e independentes. Nunca mais pôs uma gota que seja de álcool na boca. Em julho completará com a graça de Deus 35 anos de feliz matrimônio. Na época dos fatos estávamos na casa dos vinte e poucos anos. Não existia celular. O Jaime enfiava quatro dedos no canto da boca e largava um assovio intermitente. O Ronaldo Respondia. O Babinha punha a cara na Janela. Em pouco tempo estávamos reunidos. A Dona Lúcia, mãe do Babinha, soltava uma solene advertência: Cuidado com as filhas dos outros! Saudosa maloca...