NO CHÃO DA CALÇADA
Nasci em meados do século passado, mais precisamente no último dia de agosto de 1951. Naquele tempo não tínhamos televisão, internet, celular nem vídeo, apenas rádio a m e dois cinemas. Por conseguinte nada sabíamos dos acontecimentos além fronteira de nossa cidade. A revista Cruzeiro, de saudosa memória, era a única publicação a nos trazer notícias do resto do Brasil. Era vendida no chão da calçada do principal cinema, no centro, juntamente com as revistas em quadrinhos. Garoto oriundo de família humilde, eu nunca comprava, mas aproveitava para ler na casa do vizinho mais abastado.
Foi o período em que mais escrevi de próprio punho e recebi cartas, correspondências que ainda tenho até hoje guardadas junto aos meus alfarrábios que ficarão para contar história aos meus netos e bisnetos. Escreve-las me envolvia nos horizontes por desbravar das belas artes, trazia-me instantes oníricos, exercitava minha sede de enveredar pelas inóspitas trilhas da literatura e alegrava as batidas do meu coração. Nada havia de mais agradável e sedutor do que escrever cartas, de registrar nas folhas em branco tudo que me ia na alma.
O momento de ir até ao correio postar e receber cartas era realmente festivo, muitas vezes eu sonhava com essa realização. A geração contemporânea jamais saberá o que é a alegria de colar os selos no envelope e po-los na caixa do correio, nem também terão o prazer de rasgar a extremidade do envelope, abri-lo e retirar a tão ansiosamente esperada correspondência vinda das distâncias. Eu lia e relia tudo com os olhos brilhando de emoção e êxtase.
Com o passar das décadas a tecnologia relegou ao passado a festança mental das cartas manuscritas, escrever à mão virou peça de museu. Não sinto apenas saudades dessa atividade prazerosa, mas também muita falta. Provavelmente ninguém mais se comunica assim, o whatsapp é mais rápido que o pensamento nas mensagens e nos vídeos. Cartas no papel infelizmente ficaram no passado.