Poesia não tem preço
“Poesia não tem preço”
- Compra um livro de poesias?
Olhei para fora da janela e deparei-me com o dono da voz firme e ao mesmo tempo humilde. Um senhor de face vincada, com livretos, “papers” em mãos tortas e alguns dedos faltando.
- Hoje ainda não vendi nenhum. Por favor...
O título sugestivo de “ABC As Lutas da Vida”. Seria cordel, certeza. Com as 23 estrofes das letras do alfabeto. Folheei rapidamente. Sem tirar os olhos do sinaleiro e dos oito versos que aparecem em seqüência.
- São só R$2,50, cada.
Há uma certa inquietude na fila de carros logo atrás de mim e no olhar de sobrancelhas finas e face leonina do autor. Sim, Francisco está à minha frente como está na capa dos seus escritos.
- Quantos o senhor vai querer?
Meu silêncio o incomoda, mas como bom autor ele percebe claramente que estou interessado. As rimas são ocasionais, na letra J do meu nome, o infinitivo dos verbos da primeira conjugação reinam.
- Olha, o sinal já vai abrir.
Muitos erros de grafia. Idéias já ditas e compiladas. Mas o homem que vejo é cheio de vida. Algo nostálgico invade o texto à partir da letra Q. E algumas lições de vida são dadas como um bom conselho.
- Se o senhor não vai querer, pode devolver.
Não notei irritação no discurso. Apenas o mesmo tom de sua obra. O irreparável caminho do tempo. O inexorável tráfego da idade. Um certo cansaço. E de rabo de olho vi um risinho maroto. Ele sabia que eu ia comprar.
- Bi-bi. Fom-fom!
A goianidade habitual se manifesta. A pressa do almoço. De buscar crianças no colégio. A ignorância de estacionar em fila dupla. De parar na sombra, mesmo o carro não sendo conversível.
- Dê-me todos!
- Mas aí são R$ 25,00!
Comprei. Meu carro é grande, verde de esperança e militar no formato. Desci. De gravata e terno, cabelo com gel e meus claros faróis acesos pelo instante único, pus-me a distribuir poesia pelo trânsito infernal.
- Doutor, o senhor é louco?
- Não, meu colega, sou também poeta.
- Ah, então sabe que poesia não se vende.
- Sei, e esse povo está precisando de nós dois...
- Ah, claro. Me dá uma mão?
- Dou duas. Até.
O mundo parou, subimos no teto do carro e dali espalhamos canções. Foi só um momento. Mas para mim, não teve preço.
JB Alencastro