As flores e os legumes
As flores e os legumes
A rua Fortunato é uma rua paralela à rua que moro, a Martim Francisco, na Santa Cecilia, no centro de São Paulo.
Já havia observado o jardim mais belo da entrada de um condomínio nessa rua. Conversei com o porteiro e ele me disse que fora agricultor no interior da Bahia, onde nasceu, e quando imigrou para São Paulo não perdeu o senso de plantar.
Criou o mundo das suas plantações cultivando flores na entrada do condomínio onde trabalha. Me explicou que cada planta que produz suas flores gostam de ser tratadas de um modo específico, umas gostam mais de ficarem expostas ao sol e para essas o lugar de serem plantadas é onde o sol aparece mais forte; outras gostam de estarem mais à sombra, então as que se expõem ao sol fazem amparo dos raios solares para aquelas; há aquelas que gostam de serem bastante regadas e outras precisam de pouca água.
Descobrindo o segredo de cada uma, tratando-as conforme suas preferências, todas ficam muito belas e o jardim todo floresce como que de uma só beleza. Ainda há algumas que dão flores um período do mês ou do ano, enquanto outras florescem durante o período oposto. Há sempre flores e beleza todo o tempo. A organização do jardim é uma lição para todos os aspectos da vida e o sorriso do porteiro já mostra que essa lição pode ser bem aprendida e aplicada.
Pois bem, não sabia que, do outro lado da rua, outro porteiro havia plantado enramado numa árvore, um pé de chuchu; eu passava por ali, via aquelas folhas trevosas e não me dava conta que era um pé do legume. Pois esse pé de chuchu cresceu, enramou nos fios elétricos, foi levado para uma outra árvore até próxima do condomínio enjardinado do porteiro jardineiro, enramou mais ainda e dá uns chuchus enormes.
Me fez lembrar meu amigo baiano Genivaldo, quando morava em Salvador. Negro de quase dois metros de altura, muito belo, sorriso largo, parecia querer amar todas as mulheres e não seria difícil ser amado por muitas delas. Genivaldo preferia manter o amor de uma só mulher, sua noiva, embora constantemente suspirasse quando uma bela jovem chegava perto dele. Pois bem, esse Ébano me contou que fora criado com seus irmãos por seus avós, por causa do falecimento de seus pais, infortúnio comum entre nós negros. Ele fora criado junto com outros primos que por várias razões aportaram à casa da iaiá e do ioiô.
Em um momento da vida dos avós e dos netos faltou manjar, porém eis que surge um pé de chuchu no telhado da casa, talvez plantado pelo vento e vindo providencialmente para alimentar a família. Não é que comeram chuchu todo o tempo de vacas magras, ou carne de vaca magra ou gorda que faltava?
A Bahia está sempre em interação com São Paulo. O porteiro que migrou, o outro que plantou chuchu e me fez lembrar do amigo baiano do interior, mas que morava em Salvador, estudando, procurando a sorte como eu.
As flores e os legumes fazem parte da vida. Alimentam a beleza, a visão, o enternecimento, a alma, o corpo, a vida. E também fazem a conexão entre a Bahia e São Paulo.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 05 de agosto de 2022