O POETA QUE REMA PELAS RUAS DA CIDADE

Os filhos dos teus filhos, não acreditarão que um dia, sobre o Guaíba, passando pela Voluntários, remando esse poeta passou. Moacyr, se estivesse vivo, formaria, novamente o exército de um homem só. O capitão, dessa vez, teria muita dificuldade em formar uma nova sociedade, já que remaria por cima dela. Em terra, comida, bebida, medicação e desespero. A empatia daqueles que, mesmo perdendo tudo, não desejam o mesmo a seu companheiro. A água é tão suja, que não permite ver o chão. Tenho que cuidar para não bater o casco do velho barco, na ponta do teto de um velho galpão.

Ao longo da “aguinhada”, esse velho poeta encontra cães, cavalos, porcos e o remo treme quando ele acha que bateu em corpos. Navegando pela cidade, meados de maio de dois mil e vinte e quatro, ele vê o topo da igreja se tornar uma ilha. Os fios de eletricidade uma grande armadilha, os ladrões que atacam feito quadrilha. E na água, adoçada de barro, Gumas de Jorge Amado, em espíritos, protegem, jucundos, os moradores, feito matilhas.

Os filhos dos teus filhos talvez caiam na gargalhada, ao saber que um barco passou por cima da sapataria do João. Que o gramado do estádio não é mais verde e sim marrom. Que até ontem esse poeta passou de barco, por onde só pousava avião e que a luz que aquecia a água, deu lugar ao frio da escuridão.

O poeta segue remando, vendo gente que não quis sair de casa. Aos gritos eles dizem: “se sairmos os bandidos nos deixam sem nada”. É um retrocesso triste, mas que traz o absurdo do estroina que rouba de quem já perdeu. O poeta para e quase delira tal qual Brás Cubas, mas há sim, um gato, no cume do prédio do teatro central. Navegando em águas torpes e fedidas ele se aproxima com o mínimo estrépito para salvar o animal e colocá-lo em sua humilde sege de madeira naval.

O rio viaja rumo ao mar, levando coisas que nunca mais iremos achar, deixando outras que farão até esse poeta chorar. Sentado no toco velho, o menestrel para os que vêm do futuro, vê o dia que nadou sobre o Guaíba na cidade, em seu velho báculo de madeira, puxando da algibeira uma foto três por quatro que ao final do passeio achou. A imagem de um soldado que saiu de casa para ajudar quem a do outro levou. Soldados que doaram amor. Esse exército do Moacyr, não teria um homem só.

Canções ganham a voz do intérprete, a situação vira um azo do velho político, tudo normal. Não vale se apoquentar. E antes de partir, o poeta canta, iluminando o rio na cidade com uma vela, um breve epicédio ao triste retrato da tristeza que a água nunca vai levar:

“É o meu velho estado do Sul, céu, chuva e um cheiro de horror.

Onde de cima de um prédio sai cavalo, gato, cão, menos o morador.

É o meu velho estado do Sul, céu, chuva e um cheiro de horror.

Onde por cima de casas e prédios esse velho poeta remou”.

A cacofonia da capital, afogada na sinestesia formada pela cor fedida da água do rio.