Entre Sem Bater - O Ludismo no Século XXI

Wendell Berry disse:

"... Os luditas ... afirmaram a precedência das necessidades comunitárias sobre a inovação tecnológica e o lucro monetário ..."(1)

Algumas histórias, perfis e detalhes desta série são intrigantes. Por exemplo, a escolha de uma frase para falar do tema Ludismo(*), recai sobre um escritor novelista do Kentucky (EUA). Entretanto, faz parte de um dos grandes propósitos, talvez o mais importante, que é colocar os leitores para pensar e viajar no mundo real. Wendell Berry é um ensaísta e ficcionista que representa bem essas possibilidades.

O LUDISMO

Em primeiro lugar, seria necessário publicarmos uma meia dúzia de textos para iniciarmos um debate sobre o Ludismo. Seguindo a proposta da trilha "Entre Sem Bater", a inserção de palavras e termos pouco usuais, certamente, nos obriga a "pular etapas". Desse modo teremos aqui somente pequenos fragmentos (seria isso um pleonasmo?) do tema-chave.

Após este breve prolegômeno, menos que simplório, vamos a um pouco do contexto do Ludismo e dos luditas, para avançarmos com o propósito da série.

Diz a lenda que existiu um tal Ned Ludd(2) que ganhou verbete até em dicionários de renome mundial.

Com toda a certeza, as referências à lenda podem sofrer variações. Porém, todas elas têm um grande fundo de verdade nos faz acreditar que o Ludismo vive, ainda hoje. E, desse modo, é possível traçarmos um paralelo dos fatos e reações do Século XVIII e trazermos para o Século XXI. Sim, você que lê até aqui pode estar surpreso, mas é isso, a fantasia(3) vira realidade e vice-versa.

Inquestionavelmente, a partir da leitura deste texto, com a atenção que nossa realidade exige, teremos uma compreensão melhor do neoludismo. Pode parecer estranho, mas a revolução informacional, que teve analogias com a revolução industrial, foi somente um "aperitivo". O caldo cultural da revolução tecnológica e informacional não passa nem perto do que está por vir com a revolução da IA.

Desta forma, podemos dizer que o Ludismo no Século XXI pode ter muita repetição do que os luditas do Século XVIII vivenciaram.

Vamos esperar para ver a banda passar ou entraremos no jogo político da polarização luditas x não-luditas?

LUDISMO MODERNO

Do mesmo modo que a tecnologia provocou o que a história denominou "Revolução Industrial", esta tecnologia provoca a Revolução Informacional.

Entretanto, a própria tecnologia cuidou de fazer mudanças nos processos e comportamento das pessoas. Anteriormente, escrevi um texto em que associei a economia do pós-pandemia a um retorno ao modelo feudal(4). Certamente, por não ser economista, sofri (licença poética) com os narizinhos e muxoxos.

Por outro lado, as reações ao texto me mostraram que a confusão das pessoas é muito maior do que imaginamos. E, como se não bastasse, a ascensão do idiota da aldeia ao mundos das redes sociais e Internet criou coaches e mentores ridículos. Se falamos, por exemplo, de um assunto jurídico, num grupo que tem poucos operadores do Direito, surgem muitos rábulas. Em outras palavras, qualquer um pode falar qualquer asneira, sem nenhum filtro, ou com filtros que beiram a estupidez.

REVOLUÇÕES MODERNAS

Desse modo, é necessário mostrar que hoje em dia não temos a compreensão coletiva suficiente para ver a gravidade do mundo real do trabalho. Surpreendentemente, os profissionais que deveriam defender o Ludismo moderno com unhas e dentes, se calam ou se locupletam. É provável que eles imaginem estar imunes à onda avassaladora da Inteligência Artificial (IA) e da singularidade tecnológica(5).

Um certo pensador disse que o sábio estoico moderno substitui o medo pela prudência e cautela. Por outro lado, um estoico contemporâneo diz que a cautela excessiva pode ser prejudicial, criando uma cultura ludita de seguir o rebanho. Parece que as modernas tecnologias repelem os luditas e adoram as ovelhas.

FRASES

Algumas frases e pensamentos, sobre o Ludismo e os luditas, merecem um destaque para contextualização do tema.

“Assim como os rapazes da Liberdade sobre o mar

Compraram sua liberdade, e barato, com sangue

Assim nós, meninos, morreremos

lutando, ou viveremos livres,

E abaixo todos os reis, exceto o Rei Ludd”

Lord Byron

“Algumas pessoas acreditam que a mudança tecnológica que poupa trabalho é má para os trabalhadores porque os expulsa

do trabalho. Esta é a falácia ludita, uma das ideias mais tolas que alguma vez surgiram na longa tradição de ideias tolas em

economia.

William Easterly

"Em certos momentos de sua vida, cada homem é tentado a se tornar um ludita, pois sempre há algo para o qual ele

gostaria de melhorar. Mas ser contra todas as mudanças – contra as mudanças no abstrato – é uma loucura..."

James Michener

"...Nenhum país pode desenvolver-se sem ciência – será destruído pelos seus vizinhos. Sem artes e cultura geral, o país

perde a sua capacidade de autocrítica, começa a encorajar tendências defeituosas, começa a gerar constantemente

hipócritas e escória, desenvolve o consumismo e a vaidade nos seus cidadãos ..."

Arkady Strugatsky

Estas frases e pensamentos apresentam uma diversidade de visões sobre o que poderíamos traduzir como um ludita no Século XXI. Contudo, até o antagonismo destes pensamentos, quando vemos uma crítica a Lord Byron, sem contextualização, mostra seu efeito lúdico. Por isso, devemos refletir sobre o tsunami da IA e o que as pessoas estão fazendo ou combatendo.

O PODER DOS IDIOTAS

O desenvolvimento do consumismo, o egocentrismo dos cidadãos do planeta e o avanço das tecnologias criaram bolhas de ignorância. Desse modo, mesmo que alguns leitores desagradem das palavras, precisamos mostrar um pouco de espírito estoico. Decerto, mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão, em algum momento, pensar em ser um ludita, ou agir como um. O Ludismo não tem nada a ver com idiotas assumindo o poder pela força das fake news. Por outro lado, temos que reconhecer que eles (os ignorantes do rebanho) são experts na arte de manipular a massa ignara.

Para combater o poder dos idiotas é mais fácil escrever palavras e termos com os quais eles terão que pedir ajuda para refutar. Ah! alguém diria que: "... mas existem idiotas que o são por conveniência e oportunismo, são capazes cognitivamente e vivem fingido". E concordo em gênero, número e grau, mas eles são poucos em relação àqueles que somente ruminam algo do jeito que recebem.

Este poder é uma concessão que os mais capazes permitem ao se omitirem ou abandonarem qualquer discussão. A ideia do Ludismo no Século XXI passa por uma necessidade de modernização de práticas com o mundo atual altamente tecnológico.

NEOLUDISMO

Neste século XXI, os neoluditas emergem não com martelos e tochas, mas com hashtags e petições online p que é insano. Eles são os trabalhadores que sofreram descarte pela automação e precarização do trabalho. São, ou deveriam ser, os artesãos cujas habilidades somem diante da produção em massa. Outrossim são um pequeno grupo de cidadãos contrapondo a onipresença da tecnologia em suas vidas.

Imagine um mundo onde a realidade virtual substituiu o contato humano, drones entregam nossas necessidades básicas. Como se não bastasse, a realidade agora é com a inteligência artificial tomando decisões, outrora humanas. Neste cenário, os neoluditas não são apenas um grupo marginal; eles são uma voz decrescente, clamando por um retorno ao toque humano. Adicionalmente, pedem o retorno da autenticidade e o controle sobre suas vidas e trabalhos.

Eles organizam protestos virtuais, criam plataformas de mídia social para compartilhar suas histórias, mas recebem somente o ódio. E, se por acaso formam coalizões com sindicatos e grupos de direitos dos trabalhadores, tornam-se párias na sociedade digital. Seus argumentos, a partir de blogs, podcasts e vídeos nunca se tornam virais. E não adianta, por acaso, discutir o impacto da tecnologia na desumanização do trabalho, na erosão da privacidade e na ampliação da desigualdade.

NEOLUDISMO JÁ !

Os neoluditas de hoje não buscam destruir a tecnologia, mas precisam sim, reformá-la em nome do neoludismo. Eles pedem por regulamentações que garantam a segurança dos dados, por uma distribuição mais justa dos benefícios da automação. Desta forma, retomar a nanoeconomia feudal é necessário. Lutamos por um espaço no mercado para produtos feitos à mão, serviços pessoais e comunitários. A defesa deve ser por um equilíbrio entre eficiência e empatia, entre inovação e tradição, com racionalidade.

Em um mundo altamente virtual, os neoluditas são a resistência viva de que, por trás de cada dispositivo, aplicativo e robô, há uma história humana. Eles não são contra o progresso, mas sim defensores de um progresso que enriqueça, em vez de diminuir, a experiência humana.

Em suma, os neoluditas modernos são tanto uma reação quanto uma solução para os desafios de nosso tempo. Eles nos convidam a questionar não apenas como usamos a tecnologia, mas por que e para quem ela serve. São, sem dúvida, os que desafiam a imaginar um futuro onde a tecnologia não é apenas uma ferramenta de eficiência. São, em essência, os guardiões de nossa humanidade em uma era digital.

Pensar fora da caixinha é necessário, viva o neoludita, vida longa ao Rei Ludd !

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) O Ludismo e seus praticantes e defensores são uma espécie de revolucionários que iam à luta, muito longe dos anarcotecladistas de hoje em dia.

(1) "Entre Sem Bater - Wendell Berry - O Ludismo no Século XXI" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/16/entre-sem-bater-wendell-berry-o-ludismo-no-seculo-xxi/

(2)  "Ned Ludd - Wikipedia (inglês)". em https://en.wikipedia.org/wiki/Ned_Ludd

(3) "Entre Sem Bater - Edward Snowden - Fantasia e Realidade". em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/08/entre-sem-bater-edward-snowden-fantasia-e-realidade/

(4) "Nanoeconomia Feudal no Século XXI". em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2020/04/10/nanoeconomia-feudal-no-seculo-xxi/

(5) "Singularidade, Alienígenas e Minhocas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2017/01/14/singularidade-tecnologica/