Entre Sem Bater - Quantas Mortes?

Bob Dylan cantou:

"... Quantas estradas um homem precisará andar ... Até que possa chamá-lo de homem? ... e quantas mortes serão necessárias até que ele saiba ... Que pessoas demais morreram? ..."(1)

Certamente, Bob Dylan é muito mais do que um poeta que canta poesias e tem melodias contagiantes. Como se não bastasse, além das estrofes poéticas musicais seu posicionamento político é firme e correto. Em "Blowin' In The Wind", com toda a certeza, ele questionava sobre a capacidade dos homens entenderem o que fazem com outros homens.

MORTES

O planeta Terra vive momentos difíceis. Logo após uma guerra contra um vírus, numa pandemia sem precedentes, entramos num ciclo de muitas mortes evitáveis. Contudo, os seres humanos, que chamamos de humanidade, parecem atuar no sentido contrário. Alguns dogmas e os efeitos do que teve a designação de Século do Ego(*), parece que vieram para ficar eternamente. Um filósofo pensador brasileiro questiona se a frase-lema da Revolução Francesa é uma verdade.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade estariam, realmente, na pauta dos humanos?

Quantas mortes indecentes e por causas tratáveis e com a possibilidade de prevenção são necessárias para acordarmos para a vida?

O VENTO SUL SOPRA

É provável que a letra da música de Bob Dylan tenha a resposta para todas as perguntas que ninguém faz e ninguém quer responder. E o mais incrível é que existem pessoas que do alto de seu egocentrismo encontram respostas para tudo. Desta forma, é compreensível que muitos brasileiros se unam em solidariedade aos gaúchos numa tragédia sem precedentes. Por outro lado, é inadmissível que políticos eleitos por grande parte da população façam o que estão fazendo nas redes sociais.

Quantas fake news, sobre uma única morte(2) que seja, serão necessárias para acordarmos?

"Blowin' in the Wind" (1963) - Tradução

Quantas estradas um homem precisará andar

Até que possam chamá-lo de homem?

Sim, e quantos mares uma pomba branca precisará sobrevoar

Até que ela possa dormir na areia?

Sim, e quantas balas de canhão precisarão voar

Até serem para sempre banidas?

A resposta, meu amigo, está soprando ao vento

A resposta está soprando ao vento

Sim, e quantos anos uma montanha pode existir

Antes que ela seja dissolvida pelo mar?

Sim, e quantos anos algumas pessoas podem existir

Até que sejam permitidas ser livres?

Sim, e quantas vezes um homem pode virar sua cabeça

E fingir que ele simplesmente não vê?

A resposta, meu amigo, está soprando ao vento

A resposta está soprando ao vento

Quantas vezes um homem precisará olhar para cima

Até que ele possa ver o céu?

Sim, e quantas orelhas um homem precisará ter

Até que ele possa ouvir as pessoas chorarem?

Sim, e quantas mortes serão necessárias até que ele saiba

Que pessoas demais morreram?

A resposta, meu amigo, está soprando ao vento

A resposta está soprando ao vento

CHAFURDANDO NA HIPOCRISIA

Inquestionavelmente, estamos nos chafurdando junto aos porcos(3), na hipocrisia da tal liberdade, igualdade e fraternidade. Os milhões que lutam pela fraternidade estão muito aquém dos bilhões que se preocupam somente com seus problemas. E, surpreendentemente, encontramos este tipo de pessoa em nossas famílias, nos ambientes de trabalho e até nas igrejas. Hipocrisia e desumanidade é o que não falta nestes tempos difíceis.

Quantas mortes serão necessárias?

A pergunta de Bob Dylan tem sessenta anos e não tem resposta e adquire, atualmente, um caráter de urgência e gravidade. Vivemos em uma era onde as mortes por causa de guerras, de injustiças sociais, políticas ambientais criminosas são uma realidade constante.

Desta forma, não temos uma questão retórica, mas um apelo urgente para ações concretas e relevantes para milhões de pessoas. A recente tragédia que arrasou o Rio Grande do Sul (RS) é um exemplo lapidar. Se por um lado, arregimenta voluntários, por outro lado, mostra um lado perverso das redes sociais.

E, no meio disso tudo, a guerra de informação que a mídia e influenciadores promovem, para elevar audiência, é criminosa.

HIPOCRISIA GLOBAL

Em primeiro lugar, temos que reconhecer que somos ciclotímicos e influenciáveis, e em tempos de redes sociais, ficamos seres piores.

De dez anos para cá, no Brasil, experimentamos o crime de Mariana, de Brumadinho, uma pandemia e agora esta grande tragédia no Sul.

Assim sendo, podemos dizer que, no geral, a tragédia humana se manifesta nas guerras por preceitos religiosos e interesses geopolíticos.

Conflitos como o da Síria, Iêmen e outros, por exemplo, não são apenas números em um relatório de notícias. São histórias de vidas e famílias que sofrem destruição todos os dias, comunidades inteiras deixam de existir, como acontecerá com muitos no RS.

A retórica religiosa que se imiscui com a política, aparece para justificar as diferenças sociais e humanas. Desse modo, os discursos transformam-se em um instrumento de poder e controle, desviando-se dos verdadeiros princípios humanitários. Ao mesmo tempo, as motivações geopolíticas alimentam essas guerras com interesses econômicos e estratégicos. Consequentemente, o valor da vida humana torna-se secundário ao ganho material e ao domínio territorial e exploratório.

CAPITALISMO PRÁ QUÊ?

Em vários textos recentes desta trilha "Entre Sem Bater", temas como capitalismo, socialismo e humanidade se entrelaçam. Eventualmente, as críticas e posicionamentos antagônicos saem do armário, cumprindo a função do debate. Entretanto, ainda é enorme a prática de não se debater aquilo que é necessário e proliferar as opiniões de segunda mão.

O capitalismo selvagem, com sua busca incessante por lucro a qualquer custo, é uma grande força motriz das mortes evitáveis em nossa sociedade. Este sistema econômico privilegia, sem dúvida, a acumulação de riqueza de muito poucos às custas da exploração de milhões de pessoas. Por isso, aprofundam-se as desigualdades sociais e perpetua-se a pobreza extrema.

Em muitos lugares, trabalhadores enfrentam condições desumanas, salários miseráveis e a falta de direitos básicos. A ausência de regulamentações eficazes e a corrupção institucional permitem que corporações multinacionais operem sem controle.

No RS, por exemplo, vinícolas tiveram recentemente, processos por trabalho análogo à escravidão. Outrossim, vereadores de algumas localidade no sul, praticaram a xenofobia contra conacionais nordestinos. Seria interessante saber como se posicionam estes áulicos em relação às doações de todo o país, #SQN.

Assim sendo, poucos continuam explorando recursos naturais e humanos sem compromisso com o bem-estar das pessoas ou do meio ambiente. E, como se não bastasse, diante da catástrofe natural no sul, algumas empresas obrigam muitos a trabalhar sob escombros. Adicionalmente, pedem e recebem benesses e remissões do Poder Público, que os liberais tanto atacam.

EXTREMA DIREITA

Além disso, testemunhamos um preocupante crescimento de políticas de extrema-direita ao redor do mundo. Esses movimentos parte de ideais de exclusão, preconceito e autoritarismo, desmantelando direitos com origem em muita luta ao longo das décadas. Em nome da "segurança" e do "patriotismo", vemos a implementação de políticas públicas que são criminosas.

Desta forma, práticas de restrição às liberdades civis, criminalizam qualquer dissidência e marginalizam minorias. A ascensão desse tipo de governo tem resultados desastrosos para a democracia, para o meio ambiente e para os direitos humanos. Desse modo, temos como resultados a violência policial, encarceramento em massa e outras formas de repressão brutal.

Quando a extrema-direita defendem a empresários que praticam a escravidão ou autorizam degradação no meio ambiente, como no RS, a tragédia é certa.

CONSCIENTIZAÇÃO

Uma das maneiras de combater essas mortes evitáveis é através da educação e da conscientização. Promover uma cultura de paz, tolerância e respeito pelos direitos humanos é fundamental para desarmar os preconceitos e reduzir os conflitos. Programas educativos que transmitam empatia, ajudem na resolução de conflitos e debatam a diversidade podem ajudar nesta confusão.

Além disso, é crucial promover um modelo econômico mais equitativo e sustentável. A implementação de políticas que garantam salários justos, condições de trabalho seguras e a proteção dos direitos dos trabalhadores são vitais. Em outras palavras, não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, as mortes causadas por exploração e negligência diminuirão.

Contudo, também é necessário um compromisso global com a sustentabilidade ambiental. Reconhecer que a destruição do meio ambiente afeta desproporcionalmente os mais pobres e vulneráveis é essencial.

DOENÇA

Enfim, vivemos com uma doença(4) que nos atinge e para tratá-la não temos um remédio universal. Seja na luta contra a ascensão da extrema-direita ou pela democracia e direitos humanos devemos perseverar. Adicionalmente, a proteção das liberdades civis, o combate à desinformação e o apoio a movimentos sociais devem crescer.

A solidariedade internacional e a pressão sobre governos autoritários são fundamentais para impedir retrocessos e insanidades.

Quantas mortes serão necessárias antes que aprendamos?

Cada vida perdida é um lembrete doloroso da nossa falha coletiva em construir um mundo mais justo e compassivo. No entanto, também é um chamado à ação, uma oportunidade de transformar a dor em progresso. É também uma forma de garantir que a pergunta de Dylan não permaneça sem resposta.

É hora de agir, de nos levantarmos contra a injustiça e de trabalhar incansavelmente por um futuro de valorização e proteção da vida

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) As pessoas, principalmente nas redes sociais, vivem intensamente o Século do Ego, o hedonismo e egocentrismo extremo. Perdemos !

(1) "Entre Sem Bater - Bob Dylan - Quantas Mortes" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/15/entre-sem-bater-bob-dylan-quantas-mortes/

(2) "Entre Sem Bater - Nietzsche - A Morte" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/11/02/entre-sem-bater-nietzsche-a-morte/

(3)  "Entre Sem Bater - Bob Dylan - Porcos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/05/24/entre-sem-bater-bob-dylan-porcos/

(4) "Entre Sem Bater - Dostoiévski - A Doença do Século" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/05/06/entre-sem-bater-dostoievski-a-doenca-do-seculo/