Dilemas de uma tragédia
Recentemente, a tragédia que nos atinge, nas chuvas e cheias no Rio Grande do Sul, demonstra que certos debates de interesse público e político precisam urgentemente avançar. O primeiro, bastante urgente, tem relação com a devida adaptação estrutural e legislativa para que correspondamos ao desafio das mudanças climáticas. Temo dizer, mas sinto que tenho alguma ponta de razão nisso, que a maioria das casas municipais de nossos estados não estão preparadas para responder a eventos climáticos extremos. Quanto menos, levar em consideração, a curto e longo prazo, as mudanças climáticas, para fins de planejamento nas mais diversas áreas. A geografia, quanto mais a climatologia, têm sido desprezadas nesse sentido.
O segundo tema que emerge em sua urgência é a regulação das redes sociais e os efeitos danosos das notícias falsas, agora fortalecidas e redimensionadas pelo uso da geração de textos e imagens por ferramentas de Inteligência Artificial. A preocupação, no que respeita a tragédia climática e social do Rio Grande do Sul, é que o compartilhamento de tais informações atrapalhem os trabalhos de resgate de vítimas, e ainda semeie pânico e desinformação entre a população. Um efeito previsível dessas postagens é a diminuição da confiança da população para com a atuação do Estado e das instituições públicas.
Vi, muito recentemente, uma imagem gerada por IA que mostrava, supostamente, um helicóptero de uma famosa rede de lojas que içava pessoas de um barco, em uma dramática cena de ação, em meio a ruas alagadas, cheias de pessoas circulando. Assim que visualizei a imagem, notei, explicitamente, o teor político e ideológico de sua mensagem: o setor privado, supostamente, estaria nos “salvando”, o que pesa desfavoravelmente para um outro lado, do Estado. Notei, também, a semelhança que a qualidade da água, além de outros elementos da imagem, tinha para com imagens produzidas por IA. Invariavelmente, me deparei com um vídeo de um canal jornalístico, no YouTube, justamente desmascarando a farsa da imagem, que para mim já estava dada.
Soma-se, ao exemplo dado acima, o desencontro de informações, declarações enviesadas, vídeos e montagens fora de contexto. Não se sabe se tal “avalanche” de desinformação tem origem certa ou se é resultado de ações de variadas fontes que se assomam em uma bola de neve. Certo é que muitas dessas armadilhas são disparadas com endereço certo, que é confundir a população e queimar a imagem do governo e das instituições. A disputa, inevitavelmente, é notoriamente política e ideológica. Nesse cenário emergem vozes, como por exemplo um canal que vislumbrei que aproveitava a situação toda para propagar o embuste do anarquismo capitalista.
Ambas, questões climática/ambiental e questão da comunicação/redes sociais, exibem as chagas que o poder político/público precisa se debruçar para um sério tratamento, procurando encontrar soluções paliativas, a curto prazo, e estruturais, a longo e médio prazo. Ambas as problemáticas envolvem eventos que ameaçam minar a ordem pública e trazer grandes prejuízos, tanto econômicos como sociais, na época que se deflagra. Não é possível, pois, adiarmos mais a discussão e implementação de políticas públicas e soluções socioambientais que contemplem a problemática das mudanças climáticas. Não é mais sensato ignorar o poder das grandes plataformas de mídia, que comportam as redes sociais, que não filtram e não querem se indispor com a irresponsabilidade informacional de seus usuários.
O futuro que nos espera, e o que o agora nos apresenta, eleva essas questões aos patamares emergenciais das pautas públicas, e, espera desdobramentos - e, inevitalmente, confrontos políticos - dentro do âmbito legislativo e executivo. Isso, esperamos, deve ser motivo para a movimentação do governo atual, num cenário em que ainda somos ameaçados pelo neofascismo.