fumaça virando um cheiro bom
O que eu quero é ver gente sendo, quero poesia em prosa e canto emocionado. Quero o cinema que me deixa muda, a música que dialoga. Quero olhos que me vejam. Quero a vida, quero ser inteira. Tenho fome.
O ano novo passei de fusquinha, tomando vodca com limão, ao som de música boa. Tava tudo muito lindo até aquele povo gótico resolver virar dj. A casa já estava bem escura e na pista só dava eu de branco, rodopiando feito mãe de santo em ritual de umbanda. Eram 12 os convidados, porém não apareceu nem metade. Inclusive os encarregados de levar o carvão para o churrasco. Mas essa parte a gente pula, porque nem é meu ponto forte falar de carne no espeto, na verdade pra mim as únicas coisas que se aproveitam num churrasco são a salada, o arroz e o vinagrete, e pãozinho também quando tem. Bom, o que importa dizer é que dancei bastante, ri bastante, descobri uma bebida que me dá alegria e ainda tem gostinho de suco de limão, tudo isso ao lado de pessoas queridas. E também com quem mais está perto de mim. No final das contas, foi uma experiência transcendente passar a virada com música vibrando no corpo.
No dia seguinte ao reveillon, fomos todos convidados a um almoço familiar, numa chácara em Jundiaí. O lugar é uma graça e as pessoas todas, sem exceção, muitíssimo simpáticas e simples de coração. Teve videokê, mas eu não cantei. E eis um ponto chave num momento aparentemente suave: eu deixando de fazer algo que adoro. Devagarinho começou uma revolução dentro de mim. Como assim, você estar se sentindo triste em pleno momento de confraternização em um lugar super gostoso, com pessoas super do bem? Mas eu estava com um nó na garganta. E aos poucos fui me distanciando de mim, nem sei nomear o que ficou, só sei que não consegui mais estar presente sem um sentimento muito intenso de solidão. E aquela dor só foi aumentando (eu percebi por causa da vontade de chorar). Até que chorei. Mas não passava. A dor não podia ter se iniciado ali, pela força com que ela me tomava. Então por algumas horas me agüentei ausente, para só depois, bem depois, ligar os pontos do que havia acontecido.
Uma gotinha d’água num pote é o suficiente se ele já está prestes a transbordar. E no meu caso a sensação de estar só era a tal gota. Sensação que eu tenho sempre que encontro muita gente junta. Tenho uma ânsia tão grande em perceber e ser percebida, que prefiro quase sempre o contato individual. E num grupo, ter uma voz é questão mais de esforço que de presença de espírito.
Fora tudo isso tem também a minha inabilidade temporária em saber diferenciar o que eu sou do que carimbaram na minha cabeça.
(sinal de algum respeito na literatura é nunca ser muito óbvia em suas revelações, ninguém quer comer comida mastigada)
E também, sobre adoçar café com adoçante, não dá: fica aquele gosto paralelo na boca: o doce + o café, o que é totalmente diferente do café doce.