Sabadão celestial
O sábado transcorria sereno, além da conta, em um ambiente de cor azul fraco, quase desmaiado. Poucas nuvens brancas passeavam lentamente, enquanto cerejeiras em flor enfeitavam uma pequena colina.
Parecia um sábado de antigamente e alguns patrulhenses que andavam por aquele recanto, resolveram se embriagar com uma boa prosa. Lançaram a ideia e o Djalmo Oliveira, que era desinsofrido e gostava de comandar, foi convidando o pessoal.
O rebuliço foi grande e logo chegou o João Rocha, o Quido, o Heleno Cardeal, o Olivério Braga, o Aldo Reis, o Barroso, o Sergio Ourique, o Fahrion, o Mario Muller e o Nenê Peri. Foram se acomodando no local do encontro, bem próximo à colina. Não demorou muito para que chegassem o Leto e o tio Dega e, por fim, o Nenzinho da Palmeira.
O encontro já estava começando quando chegou o Dequinha, como sempre bem atrasado. Andava campeando um rosilho por aquelas bandas, que diziam era muito corredor e já foi dizendo: - e daí pessoal tudo sob control? Todos responderam com sinal de positivo.
O Leto, que já estava meio surdo, pegou o bonde andando e foi contar uma passagem do Nenê Perí, que andava vendendo um balaio de laranjas na rodoviária velha e gritava: - olha a laranja, olha a laranja! Um gaiato chegou e perguntou: - É doce Nenê? e logo recebeu a resposta: - Não, é laranja; se fosse doce eu gritava olha o doce, olha o doce.
João Rocha aproveitou e pediu para o Leto contar como elogiou a filha em determinada ocasião. Logo o Leto, com orgulho, respondeu: - óia minha filha, tu és muito decente mas muito suscetível à certas rebardarias. E a prosa continuava, uns rindo, outros sem entender, outros sem ouvir ... mas continuava.
Por sua vez, o Aldo Reis, que era ligado ao futebol, foi lembrando do Nenzinho quando este era goleiro do Liberdade. Naquela época o presidente do time comprou em Porto Alegre um par de redes para as goleiras. Quando Nenzinho soube foi logo falando: - agora não vai ter graça, se eu já não deixo passar nada, agora com uma rede na minha frente então …
Nenê Perí se dirigiu para o tio Dega, que estava tomando o seu chimarrão com figueirilha, e foi dizendo: - esse era pegador e era calçado, ao que o tio Dega respondeu: - isso é bobagem gente, o gozo tá no começo. Aí a risada foi geral.
Aproveitando o ensejo, o Dequinha, olhando fixamente para o Quido perguntou: - e daí, por onde anda o frango da perna amarela que roubaste do Luis Antonio Garcia? O Quido, de pronto respondeu: - depois de muito procurar achei o bendito, fiz uma galinhada e convidei o gatuno como convidado especial. Mas tive que cuidar, porque já tinha outro querendo roubar o frango da panela. Aí o João Rocha entrou na conversa tentando desmentir a famosa história da traíra. Havia ganho uma traíra e, por um breve descuido de ter falado sobre o presente, foi furtado pelo Mario Muller, que foi diretamente na sua casa pedir a traíra para a Nita, sua esposa. – Tá certo, tá certo. Nem o cheiro da traíra eu sentí, confidenciou cabisbaixo.
Quido pediu licença e se dirigiu ao Seu Leto perguntando se ele ainda vendia galinhas. recebendo como resposta: - subiu nos últimos dias, tá tudo muito caro, até os ovos. Mas tu quer mesmo comprar um sacrifício das penosas?
O tio Dega, que até então tinha se manifestado pouco, perguntou para o Aldo Reis como foi a história da enchente no Monjolo, mas antes já foi contando: - o Aldo era Caixeiro Viajante e fazia a região do Evaristo e Bocó a cavalo. Quando voltava da empreitada deu uma monstra chuvarada e atacou a passagem no Monjolo. Aldo não tendo outra solução, ficou hospedado na pensão do tal de João Maura. Dizem que o velho era muito miserável. Passados três ou quatro dias deu passagem no rio. Foi quando Aldo encilhou o seu cavalo, acertou a conta e escreveu um bilhete, deixando na mesa da pensão: - adeus pensão maldita que tem praga de urubu, de tanto passar fome criei ferrugem nos dentes e teia de aranha no cú. No fim do depoimento, Aldo retrucou dizendo que sempre foi gozação da turma. E lá pelas tantas o Oliverio Braga confidenciou que, por um simples convite recebido do amigo Heleno para dar uma voltinha, acabou fazendo um bate volta em Florianópolis. Atrás veio o Heleno e complementou: - e não foi bom?
Aproveitando a deixa do bate-volta o Fahrion resolveu relembrar o Sergio Ourique e o Barroso do acontecido com o vinho da Boa Esperança. Certa vez, quando soube que os dois subiriam para a Boa Esperança para comprar vinhos pediu que comprassem um garrafão para ele. Os dois, pouco amantes da bebida, compraram quinze garrafões para cada um e o garrafão encomendado pelo Fahrion. Na descida, quando chegaram no Monjolo, num solavanco do carro um dos garrafões foi quebrado. Logo o Barroso sentenciou: - lá se foi a encomenda do Fahrion. Barroso e Sergio ouviram a história e permaneceram calados.
E o Djalmo, que capitaneou o encontro, decidiu finalizar com um discurso, tomando as vezes de candidato à vereança no céu: - Meus amigos, prometo a vocês que, além de tudo o que prometi, construirei uma ponte no Barro Vermelho. Ôpa, ôpa gritou a maioria. Como uma ponte em uma localidade que não tem rio? Djalmo, ainda inflamado finalizou: - e eu faço o rio também!
Já estava findando o encontro quando olharam para um canto do ambiente e avistaram o Padre Aloísio, como sempre resmungando. Com toda a calma sentenciou: - que bonito meus filhos, que Deus os abençoe, que maravilha de encontro. Nos dias de hoje isso não existe mais ...
Joelson Oliveira & Rosalva Rocha
Colaboradores: Renato Pereira dos Santos, Luis Antonio Garcia, Sergio Airoldi e Rossano Policarpo Braga
Crônica escrita para o livro SUAS EXCELÊNCIAS, OS PERSONAGENS de 2024.