E A HISTÓRIA PARA BOI DORMIR PROSSEGUE...
A palavra Guaíba, de origem indígena significa lugar onde o rio se alarga. Bom, fingindo desconhecer esse princípio geográfico, especuladores imobiliários da capital gaúcha conseguiram convencer o nobre colégio de vereadores e excelentíssimo prefeito, que aquela história de rio é besteira perpetrada por índios, e que isso precisava ser mesmo alterado para lago.
Essa consciência de modernidade foi imediatamente aceita por nossos nobres parlamentáveis, que claro, já conheciam, ou foram alertados por sua especializada penca de assessores, sobre as vantagens do Guaíba sofrer essa mutação geográfica.
Poucas pessoas têm noção dos diferenciais territoriais quando um corpo sofre a mutação de rio para lago. Como rios, em geral, estão sujeitos a grande variação de seu fluxo de água, a legislação se torna mais rigorosa, ou seja, exige no caso gaúcho um afastamento de proteção de quinhentos metros, em outras palavras, ninguém pode construir nada na proximidade do leito, para assim preservar a natureza e a vida das pessoas.
Quando a legislação urbanística trata das margens de um lago, ela pode flexibilizar a área de proteção, afinal lagos são acidentes geográficos mais tranquilos, sem correntezas ou grande variação de fluxo das águas. Portanto, levando em consideração essas definições supracitadas, fica claro que o afastamento em relação às suas margens não precisa ser tão rigoroso.
Então, dos anteriores quinhentos metros originais de área de proteção do corpo d’água, eles foram comprimidos em exíguos trinta metros, portanto, aquela história ansiosamente esperada pelas partes interessadas teve um final feliz.
O cartel das incorporadoras, o prefeito com seu secretariado, além da nobre bancada de vereadores comemoraram efusivamente o feito, posteriormente publicado no Diário Oficial da cidade.
Só agora fomos informados desse sinistro fato, e até ficamos curiosos de conhecer a parcela de estragos associado a essa alteração da legislação urbanística.
Na verdade, o saber indígena é inquestionável, e isso fica evidente nesse corpo d’água que mescla características de rio na parte central do lago, enquanto as bordas guardam características típicas desse tipo de águas fechadas, que se alteram abruptamente quando aumenta a vazão dos muitos rios que o alimentam.
Interessante é ninguém até hoje ter pensado na construção de canais em direção ao mar, que tanto aliviariam os excessos líquidos que desembocam tanto no lago Guaíba, como na lagoa dos Patos.
E a novela parece não ter fim, e boa parte das mudanças climáticas tem como origem mais uma brincadeirinha da La Niña.