Naquela manhã de outono
Crônica
Naquela manhã de outono ,algo inesperado aconteceu. A barragem que se erguia colossal no horizonte como um guardião silencioso da tranquilidade daquela pequena cidade, abriu-se abruptamente para soltar suas águas. Foi como se os próprios deuses da natureza tivessem decidido que era hora de quebrar a rotina daquela comunidade pacata. Os diques que cercavam a represa, desesperados, romperam as barreiras e correram desenfreados em direção a nossa Guaíba .
Memórias preciosas se agarravam às margens da mente, mas estavam fadadas a ficar para trás naquele cenário caótico que se desenrolava diante dos olhos atônitos dos moradores. O crescente rugido das águas invadindo as ruas, rapidamente transformou aquela paisagem familiar em algo surreal. Sem tempo para raciocinar, nos vimos obrigados a sair de casa, com a água já alcançando a altura da cintura, carregando conosco nossa cachorrinha, a única certeza em meio ao caos.
O cenário era apocalíptico, como se o fim dos tempos tivesse chegado para aquela comunidade outrora tranquila. O céu carregado de nuvens escuras parecia anunciar uma tragédia iminente, enquanto as águas continuavam a avançar impiedosamente. Cada passo dado naquela jornada forçada era um desafio, uma luta contra as forças da natureza que se mostravam implacáveis.
Enquanto caminhávamos por entre casas submersas e destroços flutuantes, um sentimento de solidariedade se erguia entre os moradores, unidos na luta pela sobrevivência. As histórias de antes se desvaneciam diante da urgência do momento presente, e o que restava era a necessidade de se manter firme, de seguir adiante mesmo diante da adversidade.
No final, entre lágrimas e suspiros de alívio, conseguimos alcançar um ponto seguro, longe da fúria das águas que agora dominavam a paisagem. Lá, encharcados e exaustos, contemplamos o que restava da nossa comunidade, agora transformada por completo. E entre os destroços e a incerteza, uma certeza permanecia: estávamos juntos, prontos para reconstruir não apenas as ruas e as casas, mas também as memórias que nos definiam como comunidade. O dia em que a barragem se abriu viria a ser lembrado não apenas como uma tragédia, mas como o marco de uma nova página em nossa história.
Vera Salbego
12/05/2024
19:44
Guaíba rs