UMA HISTÓRIA PARA BOI DORMIR

Todo muito já sabe há muito tempo que para acontecer alguma tragédia do tipo urbana é necessário elencar todos os componentes que falharam para que o evento se concretize.

O assunto que contagiou a mídia na última semana foram as águas gaúchas, e todo mundo associa o evento diretamente a quantidade de chuva que despencou no estado, que claro foi bem acima dos padrões normais, mas que para esse 2024, não foi uma surpresa assim tão grande, pois boa parte da população já tem consciência que sob os auspícios do El Niño a chuva aumenta consideravelmente.

Interessante mesmo é o discurso oficial de governantes e da mídia de não procurar culpados, e sim correr atrás do prejuízo, prejuízo esse, que vai gerar grande dificuldade de cálculo.

Pensando na contramão, as notícias que começam a sair evidenciam o total abandono do sistema de defesa contra enchentes da capital gaúcha. Pelo menos nas últimas três gestões municipais, os ocupantes da cadeira de prefeito, ou mesmo os vereadores não destinaram um centavo se quer para defender a cidade das águas do Guaíba.

Este batalhão de políticos deveria no mínimo responder por negligência, pois não precisa ter nascido no Rio Grande para saber que os rios do estado não correm para o mar. E o Guaíba, que tem cara de lago é o receptor de todo volume de água proveniente da região serrana.

Para piorar ainda mais a situação da drenagem das águas em direção ao mar existem dois gargalos físicos no caminho desse manancial líquido em direção ao mar.

O primeiro dificulta a drenagem do Guaíba com a Lagoa dos Patos e o segundo, lá na cidade de Rio Grande faz o mesmo em relação ao mar. Dois outros fatores também cooperam de forma negativa para a chegada das águas internas para o mar, a preamar que muitas vezes empurra água salgada para a lagoa, e os fortes ventos que vem lá da Argentina, e que por não encontrarem nenhum obstáculo natural, sopram com vontade, impedindo que as águas da lagoa fluam naturalmente em direção ao Atlântico.

Não bastasse essa combinação de natureza hostil, com negligência crônica de políticos, que por si só gerariam problemas de alagamento nessas cidades ao nível do mar, uma falcatrua ambiental também gerou sua parcela de culpa na tragédia.

Chegou a ora de se cobrar do governador, que em comunhão com deputados estaduais resolveu flexibilizar a legislação ambiental, permitindo o avanço do agro sobre florestas e também sobre a mata ciliar. Não contentes com esse ganho territorial, esses empresários da terra resolveram construir pequenas represas nas laterais das calhas dos rios, para economizar com a irrigação de suas plantações, estas se romperam e também contribuíram com a tragédia.

Quando não encontra obstáculos pela frente a água ganha velocidade, não importando se em terra firme, ou no leito dos rios. Essas árvores retiradas tanto das áreas mais secas, como das bordas dos rios facilitaram o escoamento da água e dos sedimentos que foi encontrando pelo caminho. Assim, assorearam a calha dessas avenidas líquidas, que obviamente precisaram de mais largura para descer. O resultado desse alargamento dos rios pode ser constatado pelos estragos feitos nas cidades ribeirinhas, algumas onde não restou pedra sobre pedra.

Para alegria desses parlamentáveis, agora sim vão ter o que comemorar, pois foram definitivamente extintos quaisquer dos parâmetros de controle dessa inundação de verbas, que passarão de passagem pelos cofres públicos e irrigarão as contas desses coautores da tragédia, confirmando aquela máxima de que há males que vem para o bem, mas que não definem quem sofre e muito menos os que se aproveitam da solução.

E o drama toma conta da nação.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 10/05/2024
Código do texto: T8060335
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.