Cigarros & Hambúrgueres

É engraçado como algo pode ao mesmo tempo fazer parte da cultura pop e ser marca registrada da contracultura. É curioso como algo pode, ao longo dum bom pedaço do século XX ser chamado de hot (antigamente cool não existia) para depois passar a ser odiado. Na verdade, esse algo começou desde os tempos mais remotos, tendo seu hábito sido criado e enraizado à cultura de diversos povos, desde os africanos até os europeus – e que foram os mendigos europeus, ao juntar palha e restos de tabaco desperdiçados pelos nobres que deram à sua forma mais popular, especialmente no século XX: sim, estou falando de cigarros.

Cigarros eram sinônimo de charme. Muito associados às estrelas de Hollywood, imagino que as pessoas começavam a fumar por influência das mesmas. Não é a toa que uma das maiores marcas de cigarro se chama Hollywood! E você pode estar pensando que não, que as pessoas daquela época não eram tão burras assim. Mas havemos de convir que não se trata de burrice, mas que era uma coisa com a qual não se preocupava muito na época, essa questão de saúde. Até porque fumava-se charutos, cigarros de palha e cachimbo no início do século, ninguém imaginava que os cigarros pudessem ser pior. E pensando bem agora, atrevo-me a comparar os cigarros das grandes companhias com os hambúrgueres de certa rede fast food:diz-se que a carne da maior dessas redes não é bovina, e eles também não dizem explicitamente o que é. No passado, acreditavam que a carne na verdade era de minhoca; hoje já corre o boato de que eles têm um laboratório secreto em que grandes animais corpulentos, de cabeça pequena e patas atrofiadas, sem olhos nem pêlo, feitos principalmente de carne e cartilagem são alimentados por tubos de nutrientes, desde que “nascem” até o momento do abate. Diz-se que o consumo de tais seres causam danos irreparáveis à saúde.

Verdade ou não, o fato é que alguns médicos recomendam comer o mínimo possível desses hambúrgueres. Outros dizem para você comê-los apenas se não houver absolutamente nada à sua disposição, como numa ilha deserta (e que diabos hambúrgueres estariam fazendo lá é uma pergunta muito boa, mas do tipo que não merece resposta) ou ainda, há os que dizem que nunca se deve comer esses sanduíches, que é preferível passar fome! E creio eu que na época em que essa rede surgiu, ninguém se preocupava com o fator saúde, afinal, já comiam hot-dogs, hambúrgueres caseiros e etc. Percebe? Era comida, e ninguém achava que fazia mal. Tal como os cigarros. Era fumo, ninguém acreditava ser prejudicial. Mas no fim, hoje sabemos que tudo faz mal. E eu sou dos que pensa que viver faz mal à saúde: quanto mais se vive, mais você se aproxima da morte; então, que venham os hambúrgueres e os cigarros! (Embora eu boicote essa rede, mais por motivos ideológicos e por falta de dinheiro do que com preocupação com saúde, evidentemente).

Dito isto, é gozado reparar na atitude de certas pessoas para com o seu cigarro. Você está lá, no seu canto, pitando o seu veneno, e logo vem algum indivíduo falar dos riscos à saúde, exaustivamente pregados em toda a parte; e com tamanha exaustão que você se pergunta se não há algum interesse diabólico por trás dessa pregação toda. Eu, além de expor minha filosofia de vida, comparo o fumo com os hambúrgueres que eles comem (porque se a pessoa tem a pobreza de espírito de achar que papo furado pode te fazer largar o cigarro, ela certamente deve gostar de comer hambúrguer de coisa-de-laboratório só porque a lanchonete é pop) e ainda esfrego na cara da pessoa que enquanto ela consome produtos estadunidenses, seu dinheiro financia indiretamente o maravilhoso governo do Sr. Bush. Enquanto que os meus indonésios, ora, com eles eu ajudo a movimentar a economia de um país pobre, ainda mais um país como a Indonésia – ah, que Deus abençoe essa terra e suas plantações de tabaco! – que é constantemente assolada por desastres naturais; que aliás (veja só você como o destino é cruelmente irônico) são resultado da exploração desenfreada do planeta Terra! Promovida por quem? Ganha um maço de cigarros quem responder que são as grandes empresas, tanto o Hollywood com seu cigarro com veneno, formol e o caralho a quatro; o Mac Donald’s com sua carne de sabe-Deus-o-quê; a Coca-Cola com seu refrigerante de cocaína e cafeína concentradas e por aí vai. Então, posso estar com o pulmão sujo, é o que digo a eles, mas minha consciência está limpa!

E saio triunfante.

Mas então, como é que o cigarro passou a ser odiado? Nos anos oitenta foram realizadas muitas pesquisas sobre os efeitos do cigarro no organismo humano, e foi comprovado que o cigarro não fazia mal à saúde! Isso mesmo, você leu direito. A ciência provara que o cigarro era-nos inofensivo! Mas omiti um pequeno e crucial detalhe: quem financiava tais pesquisas eram as próprias empresas de tabaco. E eu gosto de relembrar desse episódio sempre que alguém me apresenta artigos supostamente científicos sobre os efeitos “nocivos” da maconha. Mas isso é assunto pra um outro texto. O fato é que depois que se descobriu que o cigarro fazia mal, ele foi perdendo sua aura cool, seu charme subversivo, sua sensualidade – embora ainda sirva perfeitamente aos atores e atrizes de cinema que queiram construir personagens com tais atributos. E ao mesmo tempo em que ele deixou de ser moda, nasceu então a moda de repudiar o cigarro. E desse repúdio, veio o ódio. E como todo ódio irracional é, por assim dizer, irracional, odeia-se também aos fumantes.

Repetem os mesmos argumentos que ouviram falar na TV, no rádio, em cartazes; reproduzem o discurso quase decorado que aprenderam sobre os riscos do cigarro. Se você não tomar cuidado, vai achar que está num reality show anti-tabagista. Há alguns ainda que chegam ao ponto de desejar que os fumantes morram de câncer, agonizando numa cama de hospital! Que posso dizer, quanto a isso, se não desejar-lhes que paguem pelo sofrimento que infligiram ao Planeta consumindo o lixo estadunidense capitalista? Não me interessa como nem quando, não sou um sujeito vingativo; e é bem verdade que também não sou religioso, mas nesses momentos “entrego na mão de Deus”, como dizem os cristãos; pois creio na lei de causa e efeito, e esses hipócritas hão de sucumbir, cedo ou tarde. Mas nós também, porque não? Fumantes kretek, fumantes inveterados, comedores de hambúrguer de res, viciados em coca, digo, em Coca-Cola... todos nós!

Seja através das veias arteriais obstruídas pela gordura, seja pelo estômago corroído ou pelo enfisema pulmonar; havemos todos de morrer.

“A morte é a única certeza da vida.”