O perfil mais ingrato
Quem olha pra mim, até pode dizer que eu sou tímido, mais fechado, mas também pode dizer que eu sou educado e até calmo e simpático, dependendo da pessoa e do contexto de interação comigo. Também pode dizer que eu sou inteligente, no sentido de mais inteligente, de mais capaz. E, apesar de gostar de um elogio, ainda mais quando não é exagerado ou falso, esse último pode ou, costuma servir como um argumento em potencial para me criticarem por, até hoje, em que escrevo esse texto, do alto dos meus 35 anos e à beira de completar mais um ciclo, não ter conseguido um emprego. Porque as aparências mostram o que não é visível e essencial sobre a minha inteligência, em que, se estou acima da média, não é sobre as capacidades mais requisitadas para uma larga fração de empregos que inclui capacidades de interação social típica e de memorização ou aprendizado superficial e convergente. Esse, talvez, seja um dos principais motivos para que neurodivergentes, como eu, não tenham ou consigam ser empregados, porque além das nossas capacidades mais fortes não serem as mais requisitadas na maioria das profissões, ainda tendemos a apresentar perfis cognitivos muito assimétricos, cuja distância entre forças e fraquezas é grande o suficiente para limitar de maneira significativa o nosso rol de possibilidades profissionais. E, para piorar, no meu caso e que, talvez, também seja o de outras pessoas, como mostrado no início do texto, a ausência de uma deficiência cognitiva evidente, mas que se manifesta de modo mais específico e relativo, torna um diagnóstico oficial bem mais difícil, preferencialmente para autismo de suporte 1, antiga síndrome de Asperger (ou TDAH, mas com características autistas??), afinal, como que uma pessoa que aparenta ser, não apenas normal, mas, também, acima da média, tão articulada e supostamente capaz de aprender qualquer coisa ou se adaptar a qualquer ambiente de trabalho, não consegue passar com folga para a universidade pública, em um concurso ou estar empregada?? No meu caso, porque o meu perfil psico-cognitivo parece perfeitamente compatível só com algumas poucas profissões, como eu tenho mostrado em meus textos e versos: para a escrita, para funções repetitivas e simples e/ou para o trabalho acadêmico*, diga-se, o de fato, que não é só para tirar diploma, mestrado, doutorado... Pois quanto ao primeiro é muito difícil que um escritor consiga ganhar a vida só escrevendo e publicando livros (ingrata profissão de artista em que apenas uma minoria consegue se sustentar apenas trabalhando nessa área). Já, quanto ao segundo, novamente, a educação superior parece estar organizada para funcionar como uma fábrica de diplomas e de status social, ainda mais nas ciências humanas, totalmente dragadas por pseudociências "do bem" (que eu comentei mais a fundo nesse texto: Sobre as "pseudociências do bem", "de esquerda" e o mais grave). Sem falar que, como eu já comentei em outros textos, seus processos seletivos e avaliativos tacitamente discriminam de maneira excludente indivíduos com perfis cognitivos assimétricos, ao se basearem em provas generalistas, isto é, dificultando nossa entrada na universidade.
* Eu ainda poderia trabalhar como professor, mas as minhas idiossincrasias psicológicas, mais um ambiente muito tóxico (com jornada de trabalho exaustiva, competição e picuinhas entre colegas da profissão, classes superlotadas e estudantes, em sua maioria, muito mal educados) tornam essa opção pouco viável para mim.
Pinguins de Galápagos
Existe uma espécie de pinguins que, por alguma razão que desconheço, acabou alocada no arquipélago de Galápagos, localizado na região intertropical, próxima à linha do Equador. Uma espécie até então conhecida por se adaptar apenas ao clima frio da Antártica... Então, eu penso o mesmo para mim e outros neurodivergentes na mesma situação e com o mesmo perfil que os meus, se também estamos em um limbo de sub adaptação, alocados longe do ideal que seria de estarmos direcionando nossas capacidades especialmente no mundo das ciências, com base nas nossas capacidades de percepção de padrões e paixão genuína por nossas áreas de interesse, ainda que tenha conseguido me firmar como escritor e poeta por meios próprios e, por enquanto, sem qualquer fim lucrativo.