Diálogos desencontrados
Para mim há duas ocasiões extremas para refletir: a primeira, quando estou sozinho, em uma praia deserta, no campo ou até mesmo no meu quarto.
A segunda é quando estou no centro da cidade. Sempre gostei de passear pelo centro. É muito interessante, porque se está rodeado de pessoas e sozinho ao mesmo tempo. Todos são estranhos uns aos outros e fazem tudo como se estivessem realmente sós, cumprindo seu objetivo independente do outro.
Outra coisa que gosto de fazer é observar as pessoas e as coisas. Sempre paro, no intuito de ver melhor algo que me chamou a atenção, às vezes em uma banca de revista, uma livraria ou um cartaz de cinema.
As pessoas que param junto a mim são quase sempre indiferentes à minha presença e só raramente alguém comenta uma manchete e eu respondo lacônico, desconfiado.
Porém, um certo dia um diálogo ocorreu incompreendido depois por mim. Não sei o que houve com o interlocutor nem entendo por que respondi com tanta educação, só sei que fiquei assustado com suas perguntas e, como que anestesiado e surpreso, respondi a todas as suas indagações meio bobamente.
Era um senhor de terno com uma pasta na mão, olhou-me nos olhos e disse-me:
- Lavou as orelhas hoje?
- Lavei o rosto, gaguejei atarantado.
- Perguntei se lavou as orelhas.
- Então! Se lavei o rosto, devo ter lavado as orelhas.
E fui saindo de fininho meio envergonhado. A preocupação e a vergonha me assaltaram. Isto era mal! Minhas orelhas estavam sujas! Então foi por isso que aquela garota, ontem no colégio, riu para mim, ela não estava rindo para mim, estava rindo de mim. Como foi irônica! E ainda disse:
- Você está tão bonito hoje!
Decerto queria dizer que eu estava na verdade feio, sujo, com as orelhas mal lavadas; teria visto o lodo auditivo que incomodou tanto o senhor, usou um artifício diferente dele, partiu para a ironia e conseguiu me enganar. E fiquei todo contente, acho que sou um bobo mesmo!
Que vergonha! É melhor ficar calado, não contar estas histórias para ninguém. Há coisas que se deve esconder. Se minha mãe soubesse disso acho que se decepcionaria comigo. Ensinou-me bastante a ser asseado e hoje, homem feito, seu filho andava por aí de orelhas sujas, provocando a repreensão de um senhor e a sátira de uma menina.
Quando cheguei em casa, na porta encontrei imediatamente minha mãe e foi logo me dizendo:
- Deixa eu lhe perguntar uma coisa!
- Já sei, já vou lavar!
- Acho bom!
Corri para o banheiro, olhei pelo espelho e não encontrei a famosa sujeira nas minhas orelhas. Ai então fiquei sem entender nada mesmo. Por que minha mãe veio com o mesmo papo do homem? Voltei a ela:
- Minhas orelhas não estão sujas!
- Orelhas!- ela espantou-se. Que orelhas? Quem falou em orelhas?
- Não é das minhas orelhas que você queria perguntar? - indaguei quase doido.
- Não; quero saber se você viu o que o seu cachorro pôs no seu quarto, menino!
- Ah! Então é sobre a sujeira do cachorro! As minhas orelhas estão limpas - falei aliviado.
- Que orelhas! Está louco? Vá logo limpar o cocô do animal!
Ai! Não aguentava mais essa história de sujeira prá cá, sujeira prá lá. Pensei que ao chegar em casa iria limpar as orelhas, acabei tendo que limpar o chão que Jiraia, meu dog, sujou. O senhor com suas perguntas tinha me deixado atordoado. Deu uma raiva ao lembrar daquele papo ridículo, na certa me achou parecido com algum filho imundo dele.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 2000
[Esse texto é produto de um curso sobre produção textual feito no ano de 2000]