Ambição
Palavra complicada essa, quando pensamos nas interpretações dadas pela história e pela sociedade em que vivemos. Se não tem ambição cobram que tenha. Se tem, podem julgar exagerado. Perigo de ser execrado, de um jeito ou de outro.
Dizer “não tenho ambição”, não tem sentido. É contra a lógica. Ambicionar é ter um desejo veemente de alcançar aquilo que valoriza os bens materiais ou o amor-próprio, poder, glória, riqueza, posição social. Aspiração de alcançar um objetivo de ordem superior. Trata-se de um sentimento. Portanto, sem um controle objetivo de nosso libre arbítrio. “Não tenho ambição” é o mesmo que “ambiciono não ter ambição”. Creio que Wittgenstein consideraria isto uma proposição falsa ou mesmo uma contradição. Ninguém escapa de ambicionar algo. Creio até que estamos ambicionando a todo momento, mesmo que seja sem tanta veemência. “Ambiciono que este escrito tenha relevância, primeiro para mim, mas também para quem o ler”. “Ambiciono ter um bom resultado nesta venda”. “Pretendo chegar ao final do dia com todo o planejamento executado”. “Que esta pandemia acabe logo”. “Que minhas filhas tenham sucesso nas respectivas carreiras. Que sejam felizes, mais do que chegar ao topo”, “Que cheguem ao topo”.
Houve um tempo que o empregado era instado a dizer onde pretendia chegar na empresa. Se respondesse que estava satisfeito com a posição atual, ou pretendia uma (numeral e não artigo indefinido) promoção, passava a ser considerado sem ambição, acomodado, até levando a empresa a não investir em treinamento evolutivo. Se respondesse que queria ser gerente, diretor, presidente, era até elogiado, o caminho seria árduo, que se preparasse. Todavia, isto acendia a luz vermelha para concorrentes, para o chefe direto e, não raro, a disputa se convertia em confronto, bajulação ao chefe, politicagem, fazia mais mal que bem, na maioria dos casos. Bem, pelo menos foi isto que enfrentei em uma das empresas em que trabalhei. Pode não ser a regra. Correntemente, é considerado mais apropriado, mais aceito, mencionar que buscará desafios, hoje e sempre, correndo atrás da evolução, para melhor servir à empresa ...ou ao mercado de trabalho. Galgar cargos será consequência. Não quer mais desafios? Acomodado. E, convenhamos, não querer desafios no trabalho ou mesmo na vida, não é, em geral, adequado. Precisamos tê-los, assim como ambições sadias, superação, que não prejudiquem o próximo.
Vejam só os sinônimos de ambição: anseio, sofreguidão, desejo, avidez, cobiça, sede, aspiração, cupidez, ganância.
A maioria deles envolve um tanto de sofrimento, de excesso, não? Você ambiciona, mas, não raro, alguns ou parte da sociedade, ambiciona que você não consiga seu intento.
Sobre cobiça, ganância, quando relacionada à riqueza, frases filosóficas ou cotidianas, em geral condenam este sentimento. Todavia, Margareth Thatcher disse “A ganância é um bem”. Frase esta interpretada como seu forte compromisso com a privatização de bens públicos, em defesa acirrada da livre concorrência no mercado, enfim dos princípios capitalistas. Considerada precursora do neoliberalismo este compromisso permeou todo seu longo período como primeira-ministra da Inglaterra. Enfrentou duras reações.
Ambição e sinônimos foram e são temas de manifestações com sentidos os mais diversos. Exemplos:
Gandhi (advogado, nacionalista, anticolonialista e especialista em ética política indiano):Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição.
Charles Caleb Colton(clérigo e escritor inglês): A ambição comete, em relação ao poder, o mesmo erro que a ganância em relação à riqueza: começa a acumulá-la como meio de felicidade, e acaba a acumulá-la como objetivo. (Nota: Várias frases dele estão disponíveis, porém não encontrei frases motivadoras. Apenas censuras, mesmo que fundamentadas; papel de um sacerdote, não?).
Charles de Gaulle(general e político francês): Os homens, tão enfadonhos quando se trata das manobras da ambição, são atraentes ao agirem por uma grande causa.
Mark Twain (escritor e humorista norte-americano): Mantenha-se afastado das pessoas que tentam depreciar sua ambição. Pessoas pequenas sempre fazem isso, mas as realmente grandes fazem você sentir que pode se tornar grande.
Carlos Drummond de Andrade (poeta): Necessitamos sempre de ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos torna sem ambição.
Arrisco concluir que aqueles que tem compromisso com a natureza humana (poeta, escritor, artista) são levados a sustentar e incitar a motivação para ambicionar ou para seus sinônimos mais éticos, mais aceitáveis digamos assim: anseio, desejo, aspiração.
E aqueles que tem compromissos com ideologia, religião, política, defensores de uma classe, tendem a usar a ambição e os outros sinônimos com sentidos mais reprovativos da conduta humana, por seus interesses específicos e às vezes temporais.
Temos até a surpresa da Thatcher que defendeu a ganância como um bem, acima comentada, convicta em seus interesses políticos que defendia e firmemente acreditava.
Se penso em valorar a atuação dos dois grupos, posso entender que os motivadores, do primeiro, mexem com os sentimentos íntimos das pessoas e podem conseguir que resolvam seus problemas, que sejam mais realizadores segundo su-as respectivas e específicas ambições. Seria um trabalho de formiguinha como se costuma dizer. Mas, sabemos que evoluções pessoais, podem “mover montanhas”
O segundo grupo, aqueles que têm interesses específicos, mesmo que temporais, tencionam movimentar massas, para justificar suas intenções e ações, para se tornarem ou mostrarem liderança. Sem dúvida podem ter resultados de muito interesse para a sociedade, para a humanidade. Mas, também podem se tornar manipuladores falaciosos que muitos prejuízos trazem às pessoas e Estados. Temos vários exemplos tanto de um quanto de outro ao longo da história.
Ambicionar verdadeiramente, tomado em qualquer sentido que seus sinônimos assumem, ético ou não, exige planejamento eficaz, astúcia, sutileza, sagacidade, para atingir o intento. É trabalhoso. Jogo de cintura, superação, vencer limites.