Engenho
Meu pai era homem de traços duros, calejados, e apesar da farta ignorância, era bom no trabalho, tinha mãos hábeis para o campo, para a labuta — características perfeitas para uma inabilidade no seio familiar. Tivera-me novo, semelhante idade da qual me lancei furiosamente ao mundo, em busca de outros caminhos.
O velho Tó: chamavam-no assim.
Nossa casa ficava em Ipojuca, paralela à travessa Portuária, e era agraciada, em redor, por inúmeras fileiras de Canaviais. Quando regressava do trabalho na Usina, o velho Tó trazia consigo pesadas sacolas de cana e tentava distribuir aos seus pequenos o pedaço ao qual a cada um cabi, e não sendo bom conhecedor de contagens, era comum que eu precisasse ceder minha parte para os mais novos. Por sua própria natureza inalterável, carregando até ao fundo aquele líquido maravilhoso, a cana e seu sumo adoçavam de uma forma muito prazerosa a minha amarga infância.
Desperto já nas primeiras horas da manhã, e tendo a sorte de nossa janela possuir em sua abertura a visão mais sublime do horizonte, dos montes verdes ao fundo, da Usina de Suape longe, bem longe e tão imponente quanto pode ser, levantava da cama com um misto de fervor e ansiedade esperando a melhor hora do dia, que aquele cheiro de colmo esmagado e fervido produzia— gosto porque era um irmão ainda primitivo e anterior ao adocicado com que nossas avós se valiam nas suas receitas, e todo esse aparato suscitava em mim um enebriamento, uma embriaguez boa.
Aquele perfume embalou-me ainda por muitos anos de minha vida; e quando lembro da infância, dos bons momentos, penso primeiro nessa memória, cujo elemento me foi fundamental.