O fácil colapso da frágil Civilização Moderna

Se existe uma trena ou um termômetro que nos indique o quanto a nossa civilização está prestes a ruir, certamente são os supermercados.

Uma breve ida a um dos grandes pegue e pague modernos é o suficiente para entender a natureza da atual sociedade quando algum dos seus confortos cotidianos é ameaçado. Não, não falamos apenas da ganância dos estoques, como na Covid onde pessoas eram flagradas com carrinhos cheios de álcool gel ou papel higiênico, o segundo mais justificado que o primeiro, pois quando não se tinha muita informação sobre o vírus, estava todo mundo cagado mesmo.

Mas voltando ao relato, um supermercado em um bairro vizinho a um que tinha risco de alagar devido às fortes chuvas. O horário era próximo das 11h da manhã e na porta já se sentia que algo acontecia, a enorme fileira de carrinhos e cestos havia desaparecido, sobrando apenas dois carrinhos maiores à disposição. Em um mercado grande, o número de clientes nunca parece tão caótico assim, mas neste dia em questão as filas do caixa ocupavam os corredores.

Não é que eu não imaginei em algum momento que não estaria assim, mas eu realmente precisava ir comprar papel higiênico, era crucial. Para minha surpresa havia bastante de todos os itens, únicas prateleiras com algum espaço vago foi a de um determinado tipo de salgadinho (mas a sua versão integral continuava ali rejeitada pela sociedade em crise), o creme de leite, água mineral e por alguma razão do destino… Rúcula. Fico imaginando em algum apartamento deste bairro Boêmio, um herbívoro fervoroso olhando o noticiário e gritando: “Querida, pegue minhas galochas, precisamos estocar rúcula”.

Voltando ao planeta mercado, seguiam as grandes filas do caixa, mas as prateleiras seguiam bem servidas, indiferente ao impacto do aumento de consumidores. No quinto corredor, uma senhora apavorada mandava um áudio para a filha pelo celular: “Filha, você tem que vir no mercado, está acabando tudo, as prateleiras estão ficando vazias”. Por um momento cheguei a limpar o óculos e até cogitar que eu poderia estar com algum tipo de esquizofrenia que amenizava a realidade à minha volta, mas vendo a tranquilidade da maior parte dos clientes, acabei descartando estes problemas.

Logo após a senhora em pânico, quando chego no caixa “faça você mesmo”, seguem os meus problemas. Cada item passado acaba acusando um erro por imprecisão do mecanismo que vê o peso do que comprei. Após o quarto erro e enquanto me esforço para fazer os mantimentos caberem na bandeja (devido ao fato de pegar uma embalagem grande de papel higiênico), se aproxima um cidadão com um lindo penteado estilo “Cabeça de Ovo” e diz: “isso da erro pois é para passar apenas quinze produtos, não o mercado inteiro”. Cheguei a ficar confuso por um momento e pensar que um aneurisma poderia ser a causa de eu não lembrar de ter pedido a opinião dele. Questionei, ele insistiu enquanto ia embora, afinal o estilo “palestrei e sai correndo” parece ser uma arte marcial popular na cidade. Olhei para a tela enquanto o rapaz tentava destravar o sistema, graças a um miojo extra, acabei violando a lei local e saindo de lá com 16 itens ao invés de 15. Cheguei a procurar na rua se encontrava aquele simpático rapaz para dar um dos miojos como pedido de desculpa por não seguir a regra de seu território, mas infelizmente o destino não me permitiu fazer esta gentileza.

A caminho de casa era possível ver pessoas descarregando as compras de seus carros, aquelas que tiveram a sorte de ir em caixas menos limitadas ou territórios menos hostis, pois descarregavam cerca de 40 garrafas grandes de água do porta malas. Fico imaginando se este bairro também estivesse no “olho do furacão” como os demais. Esta cena me deixou em um momento de reflexão, se meus 16 itens eram o mercado todo, aquele porta mala seria uma rede atacadista? Vou tentar lembrar de perguntar se a sorte me permitir encontrar o especialista novamente.

Se a proximidade da crise já começa uma crise por recursos, a própria crise causaria uma nova calamidade, a anarquia tomaria conta do supermercado, já consigo imaginar, carrinhos piratas abordando outros carrinhos de compra para pilhagem, dois homens de terceira idade se empurrando por causa de uma goiabada cascão e jovens duelando no corredor de frios utilizando salames italianos como espadas, seria o fim da sociedade moderna. Quanto aos desafortunados que não têm condições de fazer estoque, estes terão que se unir e tomar os estoques dos gananciosos à força, afinal o estado vai estar muito ocupado protegendo o próprio estoque. Com a pilhagem, os demais poderão se manter, mas infelizmente, ficarão sujeitos ao gosto do acumulador e não poderão escolher seus próprios produtos, mais uma tragédia sem precedentes.

Tiago Silveira
Enviado por Tiago Silveira em 03/05/2024
Código do texto: T8055688
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