A PERENIDADE DE MACHADO DE ASSIS
A PERINIDADE DE MACHADO DE ASSIS
Nelson Marzullo Tangerini
Em 1870, Machado de Assis, ainda romântico – e poeta -, lançava seu livro “Falenas”, onde encontraremos o poema, “Quando ela fala”, que ora publicamos:
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“’She speaks!
O speak again, bright angel!’
Shakespeare
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Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala,
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.
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Meu coração dolorido
As suas mágoas exala.
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.
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Pudesse eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.
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Minh´alma, já semimorta,
Conseguiria ao céu alcançá-la,
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala".
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No decorrer desta crônica, verá o leitor que a alma iluminada do Bruxo da Cosme Velho ou passeou pelos salões do legendário Café Paris, de Niterói, ou conduziu para lá um punhado de lindas borboletas (falenas), que inspiraram os poetas Luiz Leitão e Nestor Tangerini.
Há muito pensei em escrever – e o faço agora – sobre este poema – e este assunto -, uma vez que o velho Machado poderia ter desencadeado inspiração aos dois poetas “parisienses” aqui citados, quando eles resolveram escrever sobre uma deidade que arrancava suspiros dos poetas do Café Paris, fato já narrado por mim no livro “Nestor Tangerini e o Café Paris”, publicado, em 2010, pela Editora Nitpress, de Niterói, RJ.
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“QUANDO ELA PASSA
Quando ela passa, rescendendo odores,
Cabelos soltos, à mercê do vento,
Vagarosa e sutil, num passo lento,
Acorda um mundo de febris amores.
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Quando ela passa há frêmitos, rumores,
Atavia-se tudo e é tudo atento;
Palpitam luzes pelo firmamento,
Nascem prazeres, se desatam flores.
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Paixões acende pela turba, quando
Passa, divina, derramando graça,
Naquele passo em que ela vai passando.
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Cativa e prende e num sorriso enlaça
Os corações, que ficam palpitando
Quando ela altiva e soberana passa”.
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Luiz Leitão (1)
&
“QUANDO ELA PASSA...
Quando Ela passa, de sobrinha clara,
essa, da Moda, esplendorosa Estrela,
para o automóvel, para o bonde, para
o mundo inteiro: todos querem vê-la...
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E todo mundo, estático, escancara
os olhos grandes, que se aumentam pela
vontade de envolver-lhe à forma rara
num desejo malvado de comê-la...
.
E a Deusa passa... E passa – indiferente,
sem medo de que o mundo se desabe –
bailando as curvas, desmanchando a gente...
.
E a gente fica a interrogar-se, à-toa,
como, em dois dedos de vestido, cabe
uma porção de tanta coisa boa!... “
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Nestor Tangerini (2)
Não convivi com Luiz Leitão, que lia Bocage, para sustentar tal afirmação. Mas convivi com Nestor Tangerini, meu pai, e sei que o piracicabano era voraz leitor de Machado de Assis – como o cronista que vos escreve.
Os dois sonetos de Leitão e Tangerini retratam, respectivamente, a genialidade dos rapazes que lideravam a Roda do famoso café, que entrou para a História de Niterói e da literatura fluminense.
Se o Bruxo não viu a materialização de seu sonho, uma ponte entre Rio e Niterói, fez atravessar, na velha barca, sua verve inconfundível, a do maior escritor brasileiro.
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(1) Dos livros “Vida Apertada”, Niterói, RJ, 1927,
“Vida Apertada”, 2ª edição, Ed. Nitpress, Niteroi, RJ, 2009,
e ‘Os poetas satíricos do Café Paris”,
Clássicos fluminenses, volume 9,
Organização e Apresentação de Luiz Antônio Barros,
Ed. Nitpress, Niterói, RJ, 2014.
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(2) Na 1a versão, o 1º verso do 1o quarteto era:
/”Quando Ela surge, de sombrinha clara,”/.
Publicado na ROYAL-REVISTA,
Niterói, RJ, l924, com o título “Dona Ela”, e nas revistas
ILUSTRAÇÃO FLUMINENSE, Niterói, RJ, 1/9/1928,
VIDA NOVA, Rio de Janeiro, DF, Pàg. 13, Natal de 1943
e no livro “Humoradas”, Ed. Autografia,
Rio de Janeiro, RJ, 2016.