UM ANO QUE TERMINA, OUTRO QUE COMEÇA.

Pois é, todo ano é a mesma coisa: temos a doce sensação de que o ano que inicia não tem relação direta com o ano que findou. Ou seja: acabou, acabou. Nada disso! Esquecemos, é claro, que o dia 31 do ano que termina é o dia anterior do dia 01 do ano que inicia, portanto, um dia atrás do outro, com uma noite de virada no meio.

Porque estou dizendo isso? Simples: a cada ano que se inicia, nós fazemos novos projetos e esquecemos os que já tínhamos planejados no ano anterior e que, muitas vezes, nem passamos perto de cumpri-los – pelo menos, parcialmente.

Que dentre os novos projetos, estão os de sempre – não os do ano que acaba – mas de todos os anos findos e nunca cumpridos em nossa existência, mas que agora você está certo de realizá-lo.

Para começar, você vai passar a caminhar e fazer exercícios regulares, a partir da segunda feira – a primeira do ano que se inicia – e vai parar com as frituras, as gorduras, os chocolates, os sorvetes e só se alimentará de coisas saudáveis, de preferência, orgânicas; que não consumirá tudo que vê e o que a televisão o manda comprar como sendo a salvação de todos os males, obstáculos ou defeitos; que disponibilizará mais tempo para a família e planejará umas férias inesquecíveis e que no ano que se inicia nada fará você desistir do velho curso de inglês – um sonho acalentado desde que passaram a financiar pacotes promocionais para os States.

Porém, o ano que se inicia tem um diferencial que o outro ano – o que está acabando – não tem: a possibilidade de passar quase 365 dias se enganando com promessas, projeto e planos que estão na sua cabeça e que, por detalhes que somente você compreende, nunca é colocado em prática. Sempre você tem uma desculpa ou uma segunda chance a mais para poder adiá-lo para a semana seguinte.

Além do mais, o ano que se inicia lhe dá a sensação de poder apagar tudo que se passou – vale salientar que o “apagar” aqui tem a conotação de “pagar” –, inclusive a dívida do cartão de crédito, o furo do cheque especial, o empréstimo que lhe tira uma boa parcela do seu minguado salário e até aqueles juros embutidos da casa própria financiada em 100 meses e que até agora você só conseguiu abater às 10 primeiras parcelas e que somadas já lhe dá a dimensão da dor de cabeça que terá pela frente, melhor, teria, se não fosse o ano que se inicia.

O ano que se inicia também serve para resolver os problemas pessoais. Sim. A mágica da mudança do numeral maior que o anterior, na primeira casa, ou seja, a unidade decimal lhe dá a paz necessária para esquecer as desavenças, as discussões, os males entendidos e achar que tudo volta a ser como antes, como se nada tivesse acontecido na amizade, no relacionamento profissional e na relação pessoal.

O ano que termina não pode lhe dar mais nada. Mas pode tirar. E tira. Tira mais um ano de vida, aumentando a quantidade de anos na sua idade biológica; diminui em um ano a quantidade de anos que você terá pela frente e tira um pouco da mocidade que ainda teima em permanecer em você e o que é pior: não lhe dá a chance de recuperá-los.

Por isso, o ano que se inicia é a tábua da salvação. Depositamos todas as nossas fichas nele e nos preparamos para recebê-lo com pompa. Primeiro, compramos uma roupa nova, para toda a família, no cartão, em 05 suaves prestações. Em segundo, fazemos um empréstimo para completar o valor do carro que acabamos de trocar e que deixamos justamente para o final do ano, pois assim criamos a ilusão de que tudo será “apagado” no ano que se inicia. Em terceiro, pegamos a parcela do 13º e nos damos de presente alguns DVDs, CDs e livros; e o que sobra você distribui em presentes para a parentada e com aquele jantar no restaurante mais caro da cidade onde é servido um cardápio de dar água na boca, mas que em termos de frituras e gorduras passa longe do recomendado pelos nutricionistas de plantão. Nem é preciso falar na sobremesa: tortas doces, sorvetes, pudim e manjar.

Mas não tem problema. O ano que se inicia serve justamente para aumentar as esperanças de que tudo será melhor, mais propício e que sua esfera de mundo será mais ou menos como você planejou... No ano que findou.


 
Obs. Imagem da internet

Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 06/01/2008
Reeditado em 04/12/2011
Código do texto: T805478
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