Hoje é o Dia do Trabalhador
Hora do Ângelus crepuscular (dos católicos). São 18 horas de 1.º de maio de 2024. Exatamente seis horas nos separam do fim do dia e, por conseguinte, do início do dia de amanhã, 2 de maio. Pois bem, se eu, assim como não vou, fosse ministrar uma palestra hoje, encerrá-la-ia – faria questão disto – com este texto. Assim, sabedor obviamente de que não palestraria hoje, deixei o texto propositadamente para publicar agora, no entardecer, Hora do Ângelus crepuscular, que, pelo quedar da natureza, independentemente da religião professada, tanto mexe com a imaginação humana e leva à reflexão. Comigo é assim, logo, imagino que assim seja com os outros.
Questão ideológica, queira-se ou não se queira. “Quando os homens não podem mudar as coisas, mudam as palavras“, já dizia, segundo William Camus, no livro Como tratar as mulheres, o filósofo e socialista francês Jean Léon Jaurès. O dia 1.º de maio não é o Dia do Trabalho, é o Dia do Trabalhador, embora muitos não saibam disso e, por conseguinte, já não se incomodem com a propositada e maléfica mudança semântica decorrente da substituição de “trabalhador” por “trabalho”. Meu objetivo do momento, porém, é outro: falar do Dia da Literatura Brasileira.
Assim, exatamente assim, com todas as letras e sinais do parágrafo anterior – ipsis litteris, como dizemos em latim –, eu começara a minha crônica “A literatura se alimenta de sonhos”, publicada hoje pela manhã. Entretanto, tão logo escrevera o primeiro parágrafo, acudiu-me a ideia de, deixando a crônica do Dia do Trabalhador para publicar às 18 horas de hoje, como faço agora, mudar o texto e lá não fazer qualquer alusão ao assunto. Assim, talvez alguém tenha pensado que eu me esquecera de aludir ao Dia do Trabalhador naquela crônica. Não, não me esqueci, propositadamente omiti.
A efeméride, relembre-se, surgiu como Dia do Trabalhador, mas mudaram, sub-reptícia e propositadamente, para Dia do Trabalho. Com efeito, embora não pareça aos desatentos, a diferença de significado é grande de uma expressão para a outra. Não existe almoço grátis nem palavras neutras – alguém duvide ou pense diferentemente se quiser –, tanto a ação quanto a omissão são ideológicas. Ninguém é neutro e, por conseguinte, todo ser humano tem, ainda que inconscientemente, sua ideologia. Aqui, esclareço, eu me refiro a ideologia no sentido comum, de conjunto de ideias, de tendência política.
A comemoração, no Brasil e no mundo, bem o comprova a história, surgiu como Dia do Trabalhador, o qual deveria ser comemorado como instrumento de luta por mudanças indispensáveis para uma vida digna do ser humano que vive de sua força do trabalho. Tiveram, contudo, como não existem palavras neutras, a ideia deletéria de mudar a expressão, de Dia do Trabalhador para Dia do Trabalho, com a (sub-reptícia, mas profunda) alteração de significado. Sim, ideia deletéria, porque ideológica, mas com outro sentido de ideologia, o sentido de alienação do trabalhador.
Concluindo, não olvido que a discussão sobre ideologia como alienação e ideologia como senso comum é muito instigante e bem profunda, razão por que demanda espaço e tempo apropriados não cabíveis numa crônica de canto de página tal como aqui praticada. Fica, contudo, a lembrança do sentido correto da efeméride. Comemora-se hoje o Dia do Trabalhador, não o Dia do Trabalho. A pergunta, porém, que não quer calar é se no Brasil, depois das famigeradas reformas trabalhista e previdenciária mais recentes, existe, de fato e de direito, o que o trabalhador comemorar. Isso, contudo, é outra história.