Ossos
Um relicário religioso, assim como qualquer outra parte de corpo ou ossada humana, é um objeto de estudo antropológico e arqueológico que pode, até mesmo, possuir, dentre outros, um significado político - a múmia de Lênin em Moscou, embora não seja um objeto religioso, é exemplo. Pensei nisso enquanto observava o Relicário de Santa Teresinha em Butiá, na primeira quinzena de março.
Os ossos da santa - um fêmur e um osso do pé -, para além do significado religioso, eram parte dos restos mortais de um ser humano, assim como os das múmias do Egito. Ossos sagrados, mas ossos, objetos de estudo científico antropológico e arqueológico: os da santa, os dos faraós e - porque não - os de Lênin. O sagrado que os ossos de santos possuem é um significado que lhes é atribuído pelas pessoas religiosas, por meio de sua fé. Qualquer coisa pode ser sacralizada: uma pedra, um tecido, um prego, um local, uma cidade, uma múmia, um corpo humano incorrupto, um esqueleto ou parte dele. Todavia, santo ou santa, de fato, é a alma imortal, o legado.
Um cachorro não faz distinção entre ossos sagrados ou profanos, de reis ou faraós, de politicos ou de santos. Nós sacralizamos tudo o que faz parte da matéria constitutiva deste planeta, inclusive nossos restos mortais. E nós e tudo mais do pó vieram e a ele retornarão. Insofismável.
Mesmo assim, tal significado - histórico, político ou religioso - de qualquer relíquia humana é um objeto específico, ideológico e imaterial, que faz parte da realidade concreta histórico-social, passível de ser analisado ou investigado pela Sociologia ou Filosofia, por exemplo. Fazem parte da cultura, enquanto objetos materiais e imateriais: os ossos e o significado dos ossos.
Logo, um osso, mesmo sendo apenas um osso, pode não ser apenas um osso, dependendo do significado que lhe seja atribuído. É o caso dos ossos da santa. Ossos podem, inclusive, emocionar, remetendo para a alma imortal e para o legado.
Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam e fiquem com Deus.