O espinafre de mãe

Parece ser sua primeira obrigação do dia. Digo "obrigação", mas evidentemente é, para mãe, um prazer. De segunda à sexta, sábados e domingos também, inclusive, quase sempre no mesmo horário, que faça chuva, que faça sol, logo cedinho, mãe segue o ritual que há mais de três décadas acompanho sem relativo espanto: pôr chaleira no fogo, preparar café.

Há várias coisas de que mãe gosta na vida. Há as novelas, mexer com plantas, cozinhar, caminhar, aparar, pintar, cuidar das unhas. Mas, sem dúvida, uma das coisas de que mãe mais gosta é café. Falo "coisa", mas, para mãe, café nunca foi coisa senão vida.

Já há algum tempo, médicos recomendaram à mãe que maneirasse na cafeína. Mãe lhes preparou de pronto resposta, e disse aos doutores que não tomava cafeína não: tomava café preto adocicado, café meio amargo, às vezes. Perguntou, então, aos médicos se a solução não seria diminuir um pouco o açúcar. Os doutores lhe disseram que não, que o problema era o café, que mãe deveria diminuir, no mínimo, duas chaleiras por dia, sendo que mãe faz três: uma para cada período.

Os doutores não compreenderam a matemática de mãe. Diminuir-lhe duas chaleiras de café seria como subtrair-lhe dois terços do dia. Se mãe faz uma chaleira para o período da manhã, outra para o da tarde e finaliza o dia com a da noite, como viveria mãe sem duas dessas chaleiras, sabendo os doutores que o dia tem 24 horas?

Naturalmente os doutores entendem muito de cafeína, mas bem pouco de café, e ainda menos sobre a quantidade de horas que tem um dia. Se acompanhassem mãe em sua rotina, desde cedo, que faça chuva, que faça sol, lidando, quase sempre, quase integralmente, com os imponderáveis afazeres domésticos, não lhe fariam tal recomendação. Afinal, de minha parte, em que pese não ser doutor, tampouco matemático, percebo facilmente, na fisionomia, na disposição de mãe, o milagre que café faz; eles, que são entendidos, não deveriam ser tão exigentes.

Está mãe um pouco cansada, resfriada, com uma leve enxaqueca... Vai mãe até a garrafa de café, tira-lhe o suficiente para encher meio copo, ou meio copo e meio, toma... Revigora-se.

Café é o espinafre de mãe, o que me leva a seguinte reflexão: se o Marinheiro Popeye, quando come espinafre, é capaz de superar inclusive o Brutus, imagina o que poderia fazer se, no lugar do espinafre, tomasse café?

Acho que, se isso ocorresse, os médicos não ficariam tão em alta.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 27/04/2024
Reeditado em 27/04/2024
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