O colo do capeta

Segundo o noticiário, um homem assassinou um casal de seguranças em uma loja de conveniência no Paraná. Em áudios enviados pelo Whatsapp, ele diz que “mandou os dois para o inferno” e que as vítimas agora estão no “colo do capeta”.

O “colo do capeta” não é meramente o colo do capeta, também seria um lugar metafísico; em tese, estaria localizado nas profundezas do inferno. Não há uma regra objetiva que determine quais os critérios podem levar alguém até lá. É conclusão fundamentada na subjetividade. Se você tem um inimigo e ele morre ou é assassinado, você pode concluir que ele está no colo do diabo. Na guerra da Ucrânia, soldados vão para o colo do capeta diariamente.

No entanto, muitas vezes, nem precisa ser seu inimigo. Basta você detestar a pessoa e ela, se falecer, vai ter esse destino cruel. De acordo com um velho manuscrito beneditino (peguei isso do mestre Machado de Assis), o Diabo procurou Deus para reclamar que muita gente, todos os dias, estava caindo em seu colo.

- O que queres, capeta?

- Preciso de um colo maior.

- Quê?

- Todo dia cai gente no meu colo. Preciso que você expanda meu colo. Logo não vai ter mais espaço.

Dizem os exegetas que Deus recusou o pedido, a princípio. Mas o capeta o perturbou tanto que Ele acabou cedendo. Teólogos debatem como foi que o Diabo teve êxito nisso. Os mais ortodoxos afirmam que o Diabo inventou a empresa de telemarketing, que começou a ligar para o celular de Deus o dia inteiro. Como um dia para o Criador equivale a mil anos, o raro leitor pode imaginar o quão isso foi estressante…

Os teólogos heterodoxos dizem que o Diabo infestou as ruas celestiais com entregadores de folhetos com anúncios. Deus não conseguia andar alguns centímetros sem ter que pegar um folheto e acabou chegando com milhares deles em casa.

- Isso aqui está pior do que Salvador! - teria dito o Senhor.

De qualquer modo, o Diabo conseguiu convencê-lo. Na verdade, conseguiu até mais do que queria. Deus fez com que seu colo se tornasse infinito. Agora cabe todo mundo. Tornou-se um espaço metafísico autônomo. É um local pós-morte tão possível quanto o céu ou o inferno. É por isso que o assassino erra quando coloca “colo do capeta” e “inferno” como se fossem sinônimos. Não são.

Mas como seria exatamente esse local?

Não há evidências de que alguém tenha ido e voltado do colo do capeta. Nas igrejas, no entanto, proliferam testemunhos - gênero ficcional criado pelo neopentecostalismo - em que convertidos contam que foram até lá e voltaram.

Um deles diz que o colo do capeta se assemelha a uma rua onde o lixo doméstico ocupa toda a calçada, que é estreita. Depois de ele ter dito isso, um fiel levantou a mão e pediu a palavra para fazer uma observação:

- Curioso. Essa rua que você descreve é idêntica à do bairro onde moro, Cosme de Farias!

Coincidência? Ou será que o colo do capeta contratou o mesmo urbanista de Salvador?

Outro testemunho disse que no colo do capeta só se fala de Taylor Swift nos jornais. Nesse caso, eu questiono: o que o colo do capeta oferece de novo? Ora, a taylormania também acontece por aqui. Nesse caso, o clichê é verdadeiro: “o inferno é aqui”. Ou melhor dizendo: o colo do capeta é aqui.

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 27/04/2024
Reeditado em 27/04/2024
Código do texto: T8050754
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