"O tempo não para"
Mexendo numa das estantes da Vera Gauss, vendo livros de arte ilustrados - maravilhosos, belos, grandões, coloridos e de capa dura -, achei um exemplar da Antologia O Pasquim: volume I - 1969 - 1971, lançado em 2006 pela editora Desiderata.
O Pasquim foi o icônico jornal de humor que circulou entre 1969 e 1991, sendo que o acompanhei irregularmente dos anos 1980 até o final. Essa antologia, feita pelos jornalistas Jaguar e Sérgio Cabral, dois dos fundadores do periódico, saiu em três volumes: o I, com capa branca; o II, capa verde, abrangendo os anos de 1972 - 73; e o III, capa amarela, abrangendo 1973 - 74. Esse exemplar do volume I, como não poderia deixar de ser, é imperdível. Nele, consta a famosa e histórica entrevista com a atriz Leila Diniz, um dos episódios marcantes da imprensa brasileira. Há muito mais, claro. Os desenhos de Ziraldo, com seu traço mágico e inconfundível, além das colaborações dos já citados Jaguar e Cabral, Millôr Fernandes, Chico Anysio, Chico Buarque de Holanda, Paulo Francis, Jô Soares, Tarso de Castro, dentre outros grandes nomes.
Passando os olhos pelas páginas do livro, muitas lembranças vieram, eis que o jornal foi uma de minhas grandes influências literárias. Eu e muitos cronistas da minha geração não seriam o que são hoje sem O Pasquim. Nele, a nata da inteligência jornalística, literária, cartunística e humorística escrevia. Tempos de alta do jornal impresso - era a mídia que existia -, hoje em seus momentos finais. Continuo lendo jornal impresso. Mais: ainda compro em banca, ou, mais precisamente, na Turfe Coffee, no centro, perto do Terminal Rodoviário Metropolitano - arremedo de rodoviária. Pior ainda: leio sentado na cafeteria, tomando café-preto com pastel, acompanhado pelo meu confrade Sérgio Apache ("na verdade, deveria ser moicano" , ressalta ele).
As pessoas que entram nos olham, tipo assim: esses tios aí, lendo Zero Hora, dois estranhos, dinossauros. Para nós, claro, estranhos são os outros, pois o que fazemos é mega natural, até porque os dinossauros estão na moda, novamente, a criançada os adora. As pessoas acham as outras estranhas e a si mesmas naturais. Os outros é que são estranhos. E eu e o Sérgio somos duplamente sobreviventes: primeiro, por ainda lermos jornal impresso; segundo, por sermos os que restaram da nossa confraria. Éramos seis - que nem no romance aquele - que se reuniam ali antes da pandemia. De lá pra cá, três faleceram: o colorado Gilberto Bertollo (em 2020), o ex-vereador Itagoré Poglia (na pandemia) e, recentemente, o gremista Nilo Tejada (seu Nilo possuía o dom de irritar os colorados com sua flauta, especialmente o Gilberto). Os outros se dispersaram.
Os caras d'O Pasquim já se foram. Ziraldo por esses dias, aos 91. Ficou a obra, uma referência. Voltei para os livros de história da arte, com suas enormes páginas coloridas cheias de pinturas. Festa para os olhos. Uma biblioteca permite voltar ao passado e, no presente, projetar o futuro. "Mas se você achar que eu tô derrotado Saiba que ainda estão rolando os dados Porque o tempo O tempo não para" - Cazuza.
A chuva começou a cair, a madrugada finda e o dia se insinua. Um bom final de semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam e fiquem com Deus.