O diabo na grade
Quando conto coisas do meu passado não gosto de citar nomes para não expor ninguém. Nem datas e outros dados concretos.
O caso a seguir narrado é antigo: passou-se há muitos anos.
No setor onde eu trabalhava estava ocorrendo uma querela bem desagradável. Chamemos os envolvidos de Altamiro (funcionário), Oduvaldo (estagiário) e Romualdo (outro funcionário). Nada a ver com os nomes verdadeiros.
Entre Altamiro e Oduvaldo estavam havendo atritos crescentes relacionados com o serviço. É de crer que o rapaz estagiário era pavio curto. Naquele dia não sei o que havia acontecido, e o que foi que o Altamiro disse a ele, que provocou aquela reação.
Estava o Altamiro sentado na bancada, mexendo nos papéis, inteiramente distraído. E então o Oduvaldo veio vindo com um pedaço de cano, que estivera jogado a um canto, na mão. Percebendo o que estava para acontecer, eu me postei na frente do rapaz e segurei o cano pela outra ponta. E ele então me falou em voz baixa:
"Miguel, deixa eu acabar com ele."
Eu fiz que não com a cabeça.
Nessa hora eu vi o diabo na grade. Talvez você não conheça essa expressão popular, hoje em desuso, mas eu conheci porque minha mãe às vezes utilizou.
"Ver o diabo na grade" significa mais ou menos, ver-se numa situação inesperada e perigosa, que pode derivar para muita violência. Isso, se o diabo conseguir quebrar a grade.
Estava armado esse impasse e o Altamiro, inteiramente ocupado no serviço, nada percebeu. Então apareceu o Romualdo, que estava a par do problema e, dando uma de inocente, saiu-se com essa:
"Oi, Oduvaldo, que bom, você achou esse cano! Eu vou precisar dele, obrigado!"
E assim dizendo ele pegou o cano e foi embora, e eu nunca mais vi o referido objeto.
Naquele dia o problema foi contornado e, curiosamente, com o tempo os dois beligerantes ficaram amigos e assim permaneceram enquanto durou o estágio do Oduvaldo, que afinal se despediu e nunca mais o vimos.
Altamiro, creio, nunca ficou sabendo daquela cena ocorrida a poucos metros dele.
Outro dia esse incidente veio à minha memória após décadas. E eu fiquei pensando: será que naquele dia o Romualdo e eu impedimos um homicídio?