Visita surpresa
Certo dia, um vizinho veio me contar que um amigo dele havia morrido. Isso causou um choque em mim e em outros amigos em comum. Todo mundo vai morrer, isso a gente sabe. No entanto, está subentendido na sociedade que há idades “apropriadas” para se morrer; ademais, não espera-se que uma pessoa que estava malhando no dia anterior(!) morra de forma repentina. O horror provém dessas crenças. O homem que morreu era jovem e esbanjava uma suposta saúde.
Ele estava tomando café numa lanchonete. Os outros clientes só ouviram o barulho da queda. O cara morreu “do nada”. Caiu da cadeira, chegou ao chão já morto. Nem adiantaria chamar a ambulância. O acontecimento levou a reflexões sobre a fragilidade da vida.
- O cara estava bom ontem! Como ele pode ter morrido? - comentei isso com meu pai.
- A vida é assim! - respondeu meu pai. - Você está bom numa hora e de repente…
A situação é pior em bairros violentos e com infraestrutura de baixa qualidade. Suspeito que as “mortes repentinas” sejam mais prováveis em regiões mais pobres. Em locais assim, a causa mortis não vem somente de um vírus, de um ataque cardíaco (que matou o amigo do meu vizinho), de um derrame ou coisa parecida. A pessoa pode ser vítima da barbárie. Exemplos não faltam.
Lembro que eu e meus amigos assistíamos (involuntariamente) um rapaz agredir sua namorada enquanto ambos subiam as escadarias da rua onde morávamos. Era perturbador. Ele não apenas batia como também a agredia verbalmente. Esse “espetáculo” da desgraça alheia (olhares surgiam das janelas) ocorria toda sexta-feira. Como se sabe, é o dia do “sextou”, o que implica em bebedeira e consequente violência.
Até que chegou uma sexta-feira e não vimos o casal.
Mais outra sexta. E nada.
Mais outra…
Não vimos mais. Depois nos contaram que esse cara foi assassinado.
- No dia anterior, ele havia ido à igreja e tinha aceitado Jesus. - me contou uma senhora. - Ele estava tão bem e feliz! No outro dia, mataram ele.
Eu e meus amigos ficamos especulando e suspeitávamos da namorada vítima de violência doméstica.
Outro exemplo: um rapaz correu atrás de outro com a intenção de agredi-lo. O alvo foi mais rápido e conseguiu escapar subindo uma das escadarias do bairro. O evento atraiu olhares, o que irritou o agressor em potencial.
- Vocês deveriam ir lavar uma roupa em vez de ficar vendo a vida dos outros! - ele disse.
No outro dia, ele foi assassinado em frente a uma farmácia.
Eu eu meus amigos, de novo, ficamos especulando.
- Tenho certeza que aquela velha ficou furiosa por ter sido acusada de “ver a vida dos outros”. Acho que foi ela quem mandou matar! - me disse um amigo.
Tempos depois, o alvo da agressão também foi assassinado!
Especulações e teorias à parte, me espanta como a vida pode ser frágil como um ovo. Todos os três mortos citados nesta crônica eram jovens. Em “Na Hora do Almoço”, Belchior alerta: “Deixemos de coisas, cuidemos da vida/Senão chega a morte ou coisa parecida/E nos arrasta moço sem ter visto a vida”. No Brasil, todos os dias a morte arrasta pessoas jovens.
E também me espanta o fato de não haver muita gente se desesperando por saber que a vida pode acabar a qualquer momento. Os psicólogos chamam isso de “Tolerância à Incerteza”. Parece-me que vivemos como se fôssemos imortais.