Comida, Uma Mercadoria Geradora de Fome

Os liberais em seus limitados e míticos discursos sobre a realidade não cansam de discutir sobre a troca equilibrada entre mercadorias e a ação da "mão invisível" do mercado para manter as trocas justas. Mas o fato é que as mercadorias são frutos de uma longa exploração econômica e podemos perceber isso até mesmo na produção de alimentos.

Em um relatório divulgado recentemente, veio à tona uma estratégia desumana da gigante alimentícia Nestlé. Na periferia do capitalismo, incluindo Brasil, Senegal, entre outros da África, Ásia e América do Sul, produtos como o Cerelac (Mucilon no Brasil) e o Nido (Ninho), possuem quantidades exorbitantes de açúcar, superiores às recomendadas para crianças menores de dois anos.

Curiosamente, na Suíça, no "primeiro mundo", país onde a empresa tem sua sede, esses mesmos produtos são comercializados sem adição de açúcar e apresentando toda uma preocupação nutricional por parte da Nestlé. Esta diferença faz questionar a ação empresarial na produção de alimentos, destacando que, no capitalismo, frequentemente, a comida é produzida mais para gerar lucro do que para nutrir as pessoas.

No Brasil, a produção limitada de vegetais não é uma questão de escassez de terras ou demanda insuficiente, mas sim de controle. As decisões sobre o que cultivar são predominantemente ditadas pelo mercado internacional, fazendo do país um mero fornecedor de commodities alimentares, em detrimento da diversidade e da qualidade dos alimentos disponíveis para a própria população. A redução de áreas destinadas a culturas diversas e saudáveis eleva os preços dos produtos locais, como exemplificado pelo tomate, cujo preço disparou 175% entre 2012 e 2021, enquanto a área de cultivo desse essencial vegetal reduziu significativamente.

As consequências dessas práticas são nefastas socialmente. Apesar de vivermos em um mundo onde a produção alimentar supera as necessidades nutricionais globais — a FAO estima uma produção de 2,577 bilhões de toneladas de cereais em 2016, com sobras significativas —, ainda enfrentamos uma crise de fome crônica afetando cerca de 780 milhões de pessoas, situação muito perceptível no continente africano. No entanto, mesmo com capacidade suficiente para superar a escassez alimentar, o sistema capitalista cria uma escassez artificial, justificando sua existência e perpetuando um ciclo de dependência e desigualdade.

A comida, no modo de produção capitalista, é transformada em mercadoria, perdendo sua função como fonte de nutrição e bem-estar. A produção de alimentos, portanto, não se destina a saciar a fome global ou a promover a saúde, mas a maximizar o lucro. Se prefere jogar comida no lixo que sobra do que distribuir para quem precisa.

Não existem dificuldades que justifiquem a fome nos dias atuais: a produção industrial conseguiria produzir comida para toda a população mundial e até o dobro do necessário. O cerne do problema, a raiz da fome mundial é a concentração de renda: numa sociabilidade onde tudo é mercantilizado, comida só é obtida por quem tem dinheiro. Longe está do horizonte a ideia de universalizar o acesso à alimentação como direito básico.

24.04.2024

Dennis de Oliveira Santos
Enviado por Dennis de Oliveira Santos em 24/04/2024
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