Arranjos e matreirices
A vida na roça, no tempo dos meus avós, lá atrás, no velho século XX, não era nada fácil. Exigia sacrifícios, artimanhas e muita paciência. Era preciso conhecer o ritmo do tempo, as estações do ano e suas sutilezas, além dos comportamentos, tanto dos humanos como dos bichos. Pensa que era simples? Hoje, parece que dependemos muito mais de máquinas do que de sapiência. O mundo atual, e os que desejam definir os rumos dele, nos querem rápidos, superficiais e sem discernimento para perceber as mudanças em curso. Nos querem mais consumidores do que pensantes. Querem nossos olhos fixos nas telas de celulares, mais nos aplicativos e joguinhos do que nos horizontes a serem descortinados a cada novo dia.
Deixemos o saudosismo e a nova política de lado e vamos matutar, como se matutos fôssemos, sobre algumas providências da minha avó para driblar as angolas que faziam ninhos escondidos nos pastos. Refiro-me às simpáticas, porém estressadas, galinhas-d’angola, ou as angolinhas, como minha avó costumava chamá-las. Para nós, as crianças, elas eram as “tô fraco”, e repetíamos sem parar: “tô fraco, tô fraco”, imitando seus sons.
Não me recordo quando apareceram por lá essas exóticas aves pintadinhas, com seus hábitos diferentes dos demais galináceos. Para quem estava acostumado com as caipiras, as de pescoço pelado, as carijós, as garnisés, os patos, marrecos e gansos, as angolas despertavam a nossa abelhudice, principalmente pelo fato de ficarem longe de casa, mais do que no quintal. Elas nos intrigavam. Queríamos saber de onde vieram, quem trouxe, entre outras curiosidades. Soubemos que vieram do continente africano, mas parava aí o nosso conhecimento sobre elas. Ah, o povo dizia que eram boas para combater escorpiões, formigas etc. É provável.
Minha avó gostava delas por serem aves rústicas, embora difíceis de criar devido ao hábito de esconderem os ninhos em moitas no meio do campo, nos pastos. Isso fazia com que minha avó passasse um bom tempo observando o bando se locomover. Como quem não quer nada, ela saía atrás delas até encontrar o local do ninho. Com uma colher, pegava ovo por ovo e colocava num cesto de bambu. Deixava alguns pra trás, para elas não abandonarem o ninho, aos quais denominava indez, e levava os demais para as galinhas do quintal se encarregarem da finalização do processo.
Observar e refletir sobre as soluções simples da minha avó para lidar com os ovos das “galinhas do mato” pode nos ajudar a encontrar maneiras criativas de enfrentar os desafios da nossa travessia ao longo da vida. A observação atenta da natureza, o conhecimento da realidade e a sabedoria das gerações passadas são fundamentais para seguir adiante. É como se cada ninho encontrado nos pastos fosse um lembrete de que, mesmo diante das dificuldades mais imprevisíveis, sempre há uma forma de continuar em frente com astúcia e inteligência.