TELEFONEMA AO SANTO PADRE CÍCERO
Benê: - Alô.
São Pedro - Alô.
Benê: - É do céu?
São Pedro: - Você quer falar com quem?
Benê: - Quero falar com o Santo Padre Cícero.
São Pedro: - Um momento...
Padre Cícero: - Alô, será o Benedito?
Benê: - Como o senhor descobriu que sou eu?
Padre Cícero: - Ligar para o céu uma hora dessa e ainda por cima a cobrar, tinha de ser você.
Benê: - Até pensei em lilgar do celular, mas o sinal daí é péssimo. Bênção, meu padrinho!
Padre Cícero: - Deus te abençoe. Qual o motivo dessa honrosa ligação?
Benê: - Me bateu uma saudade danada de Juazeiro, das minhas subidas ao Horto na semana santa, aí achei por bem ligar para o senhor.
Padre Cícero: - Ligando para o céu de madrugada e a cobrar...Você continua folgado.
Benê: - Vixe! Confundi o fuso horário, fui mal né?
Padre Cícero: - Falando em folgado, até hoje você vem postergando aquelas promessas feitas e não cumpridas.
Benê: - Quais promessas, meu padrinho? Tô lembrado não!
Padre Cícero: - Subir a pé o Horto, caso passasse de ano na escola quando você ainda cursava o Admissão e também para não ser expulso por mau comportamento. Você era terrível, Benedito.
Benê: - Tem certeza, meu padrinho, que ainda não paguei essas promessas?
Padre Cícero: - Certeza absoluta, o amiguinho não pagou coisa alguma e não venha me enrolar. Não sou o diretor da escola Geraldo Barbosa que quase perdeu o juízo com o seu comportamento medonho: gazeava aulas, não usava o uniforme adequadamente, colava nas provas mesmo fazendo as promessas, comprava fiado na cantina e não pagava, sem falar nos seus colegas Manoel Sales, Edgar Ferreira, Francisco Soares, Antonio Leonel e Tico Amorim, que você atazanava em aula.
Benê: - Cinquenta e oito anos depois e o senhor ainda lembra? Que memória hein!
Padre Cícero: - Como esquecer o carvão molhado, que, para ganhar peso, você vendia na época das romarias? Como esquecer os cordões de "ouro" falsificados que você negociava? Quando eles desbotavam, você vendia água com açúcar ao romeiro dizendo que ele sofria de ácido úrico e por isso descoloria o "ouro". Acredito que você não tinha completado nem 14 anos ainda, eu não interferia, porque sabia que sua mãe Quininha resolvia com chineladas.
Benê: - Quem me dedurava para o senhor? Tenho quase certeza que era o comissário Gumercindo.
Padre Cícero: - É aí que você se engana, sei de tudo o que acontece na minha cidade, sem depender de olheiros. Te acompanho desde os seus 11 anos anos, quando você já engabelava os outros meninos nas matinês de domingo lá no Cine Eldorado, negociando gibis faltando páginas. Eu fechava os olhos porque sabia que você já adorava ler e não tinha dinheiro para comprar revistas em quadrinho, mas não deixava de ser pecado.
Benê: - É impressionante como o senhor sabe em tempo real tudo que acontece em Juazeiro... Como consegue acompanhar aí do céu? Juazeiro cresceu demais, as romarias se tornaram gigantescas, todo santo dia tem romeiro visitando seu santuário.
Padre Cícero: - Nossa cidade se transformou numa metrópole, fico feliz com esse desenvolvimento, mas ela precisa ser zelada muito mais. Falta um grande hospital público para cuidar da saúde dos meus amiguinhos. Eu gostaria de ver mais escolas de ensino integral para as minhas crianças, pois a educação é o alicerce das futuras gerações, como também gostaria de ver mais creches municipais para atender as mães que trabalham fora, os nossos prédios históricos preservados, o mercantilismo desenfreado pode apagar nossa memória. Rezo todos os dias para que os administradores públicos sejam mais humanitários e cada vez mais competentes, a igreja mais solidária com os pobres. Um asilo mantido com o dinheiro das doaçoes dos fiéis depositado nos cofres dos templos religiosos ainda é um grande sonho meu.
Benê: - Nas eleições a política em Juazeiro pega fogo, todo candidato inteligente abraça o senhor como cabo eleitoral, pedindo votos em seu nome.
Padre Cícero: - Sou apartidário, mas gosto disso, todo candidato honesto que trabalhe em prol da nossa Juazeiro tem todo meu apaio, independente do seu partido político. Eu só não aprovo e temo profundamente o tal de comunismo. Você mesmo, meu querido Benedito, como candidato a um cargo eletivo, seria um desastre.
Benê: - Por quê, meu padrinho?
Padre Cícero: - Você não cumpre as promessas! Não seria um candidato confiável! Ah! Ah! Ah!
Benê: - Eu mudei bstante, meu padrinho, hoje eu sou até embaixador da Associação do Banco da Praça Padre Cícero.
Padre Cícero: - Que conversa é essa? Eu acho que o Aluízio perdeu o Juizo em te ofertar essa comenda.
Benê: - Os associados do banco foram bondosos comigo, o embaixador Adersinho Borges foi meu avalista, jurou de pés juntos que hoje sou um cidadão de caráter ilibado.
Padre Cícero: - Mantenho o maior carinho por essa associação, é um banco frequentado por homens livres e de bons costumes, formadores de opinião que também estão voltados para os problemas da minha cidade. O banco da praça que leva o meu nome é uma tribuna democrática ao ar livre.
Benê: - Antes que eu me esqueça, quero enviar o meu forte abraço aos componentes do banco da praça que estão aí pertinho do senhor: Daniel Walker, Dr Balbino, Wagner Bezerra e Zuza.
Padre Cícero: - Quando você voltar ao Juazeiro não deixe de pagar as promessas penduradas, vou nomear o Artur Menezes como seu preparador físico, o craque Nicácio como supervisor e o Dr Nino como incentivador.
Benê: - Só uma peguntinha, meu padrinho: ao invés de ir a pé, posso pagar a promessa subindo ao Horto de teleférico?
Padre Cícero: - Nem pensar, pagar promessa usando o teleférico? Ah! Ah! Ah! Você não mudou nada, meu afilhado, continua o mesmo velhaco de sempre. Estou desligando, não estou ouvindo nada, o aúdio está péssimo.
Benê: - A sua bênção, meu padrinho!
Padre Cícero: - O quê? Não ouvi.
Benê: - A sua bênção!
Padre Cícero: - Ah! Sim. Deus te abençoe, vê se cria juízo, Benedito.
Benê: - Alô! O que o senhor disse? Ele desligou.