Sinais do Cotidiano
Por prescrição do neurologista, faço musculação, além do que é aconselhável para todos os octogenários, para não terem problemas de mobilidade, devido a perda de musculatura.
A academia, muito boa, exclusive a música, fica situada em rua paralela e a duas quadras da que resido. É tão perto que, do janelão do segundo piso, onde ficam as bicicletas, para aquecimento, visualizo a janela da varanda do apartamento e dá até para fazer um adeusinho de precoce saudade, para o meu amor definitivo.
Não sei se acontece com todos os octogenários, mas tenho o mesmo sentimento de quando frequentava os bailes de sexta e sábado de meu amado torrão e os músicos tocavam certas músicas, sabidamente anunciadoras de seus finais. O mesmo sentimento expresso num bolerão que dancei muitas vezes e que a, letra pedia para que o relógio parasse, que fizesse aquela noite perpétua, para que não amanhecesse e não se separasse de seu amor.
Certo dia, na pequenina caminhada à musculação, ao subir a calçada da rua onde se encontra a academia, descia um pai com empurrando sua pequenina filha num carrinho.
À medida que essa imagem, um dos inumeráveis versos do poema da vida, se aproximava, comecei a fazer gestos e a tirar sons, para cumprimentar aquele botãozinho, promessa de flor. Celebração àquele início da vida, quando é menos difícil a percepção de presença do Mistério Criador.
Como toda comunicação entre octogenário e criança nos primeiros aninhos, harmônica. A ternura e a pureza da inocência a sorrir, o olhar de quem tudo vê e sabe, a sinalizar: vovô, a vida continua, cheguei a pouco de onde, muito em breve, partirás.