VIAGEM

Não encontrei meu pai, a cadeira estava vazia dele e o quarto já não tinha sua presença. "Sofreu muito", contou-me minha mãe, assenti com a cabeça e continuei aqueles dias pensando no que poderia fazer se estivesse presente fisicamente.

Abracei quem me abraçou e fortaleci-me com a filha e o neto.

Devagar engordei, não porque comia muito. Estava faminta da comida da mãe e, sobretudo, a comida de minha Terra natal. Mas engordei porque não falei.

Jaca comi na estrada, ainda dentro do carro; comprei na estrada Ilhéus Itabuna. Minha sobrinha filhada deu consentimento de tirar uns bagos, ali dentro do carro mesmo, mas devorei de verdade, na casa de mainha…

Depois do abraço, depois do choro do reencontro depois de 2 anos de pandemia, depois do pandemônio da menopausa, depois da patifaria da queda de cabelo e depois do medo de morrer sem abraçar mãe, filha, neto.

Durante alguns dias senti a presença-ausência dele pela casa e uma noite sonhei com alguém a pedir café, a voz era idêntica e dizia: "Dudu, levanta, sua mãe e eu já vamos para roça".

Senti muito não tê-lo visto uma última vez... mas fui reencontrando a alegria com minha filha e meu neto, minha mãe e minhas histórias, nuns papeis antigos.

Algumas poesias velhas queimei na fogueira da Rua F, casa de minha filha. Lá, à noite, o vizinho queimava papeis e outras coisas, para provocar fumo contra os insetos. Aquela fogueira lembrava demais o São João ...

Não minto que fiquei triste algumas vezes, ouvindo na memória, os fogos e as músicas juninas dos tempos de criança e de moça; quando festejávamos o aniversário dele na roça ou na cidade na casa da Rua Bela Vista.

Brinquei muito com meu neto, conversei bastante com minha filha e ouvi muita música brasileira. Tomei bastante café coado no coador e li todos os livros que pude; mesmo com a mácula com pontinhos invisíveis.

Às vezes fiquei triste, mas passava, com leitura, bate-papo e chá (concebido por Flora, minha filha). Lispector diz que o Amor, basta vivê-lo. Então vamos lá. Embora perceba, agora com mais idade, que ela tinha razão quando escreveu que "nos desencontros é que verdadeiramente provamos a força desse sentimento Amor".

É isso...

Hoje estou a rever as fotografias daqueles dias, ainda frescos na memória do meu coração, ainda frescas na tela do celular e do computador.

Percebo que as fotos nas telas amarelecem quando não olhamos para elas, pelo menos 1 vez por semana. Não sei se amarelece igual as fotografias impressas em papel de foto, igual aquelas antigas fotografias da Kodak ou Fujifilm, mas amarelecem.

É um envelhecimento simulado eletronicamente, mas é um envelhecimento.

Hoje alguém me disse que estou imensa, fiquei calada, pensando como uma pessoa pode ser tão grosseira... analisando a frase e a postura da pessoa. Passou.

Depois vi uma piada que fizeram à Whoopi Goldberg, em seu programa de entrevistas... Lamentável.

Em Itabuna, algumas pessoas repararam nos meu kgs à mais, algumas pessoas foram indiscretas ao reforçá-los, outras me davam receitas de emagrecimento.

A forma física ainda é mais importante do que a Essência... assim como ser dr. de qualquer coisa é mais importante do que ser professor... este é nosso triste Mundo...

Lembro da felicidade de minha mãe e meu pai quando formei-me professora na universidade, ele me deu 100 reais pelo esforço, minha mãe me deu um sapato, minha irmã mais velha 1 relógio. Neide, me escreveu um lindo texto, minha filha me escreveu um lindíssimo cartão, fez café da manhã para mim, levou-me na cama. Meu irmão trouxe-me lindas frutas da roça. Ser professora é uma honra.

Não misturei Assuntos não, estou a discorrer sobre o que vivemos, sobre a Viagem nesse Planeta e sobre a viagem particular de um Ser, que descobre dia a dia que o caminho da perfeição é o Amor, mas o Amor incondicional por Si e de Si para Todos.

Assinado: Solineide Maria.

Pelo Mundo, 19 de março de 2022.

Solineide Maria
Enviado por Solineide Maria em 23/04/2024
Código do texto: T8047869
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