Iracema, a estrela de Triunfo
Se o maior vulto da história gaúcha nascido em Triunfo é Bento Gonçalves, com certeza a estrela é Ida Elvira Kerber (1898 - 1978). Linda, loira, de olhos bem azuis e mui talentosa, uma personalidade determinada e fascinante, uma boa referência para os jovens de hoje que possuem sonhos e ambições a realizar. É o que nos revela o livro (imagem acima) de sua conterrânea Elma Sant'Ana e de Ruben de Oliveira.
Só que se vocês pesquisarem no Google pelo nome de batismo da bela, praticamente nada acharão, mas se colocarem "atriz Iracema de Alencar", a tela encherá. Mal comparando - pois se tratam de áreas e épocas bastante distintas -, ela foi a Patrícia Poeta de tempos idos: da região Carbonífera para o Brasil! Foram e venceram! Aliás, muito apropriado o nome de Ida: foi e nunca mais voltou, embora não esquecesse suas origens. Morou até os 17 anos em sua cidade natal, quando fugiu com um namorado estudante de Direito e ator para o Rio de Janeiro, a fim de ser atriz de teatro - pudera, Triunfo possui o Teatro União, o segundo construído no Rio Grande do Sul, em 1848.
Chegou no Rio, largou o namorado, se foi pra Argentina atuar, voltou e se tornou uma revelação no final dos anos 1910 na cena artística carioca, ao estrelar o filme mudo e P&B Iracema, baseado no livro de José de Alencar, em 1917, aos 19 anos. Claro, deve ter pintado o cabelo ou usado peruca, pois, senão, como uma alemoa branquela triunfense poderia interpretar "A Virgem dos Lábios de Mel', aquela "dos cabelos mais escuros que a asa da graúna"? Mas a coisa deu tão certo que Ida adotou o nome artístico que a celebraria no país inteiro, Iracema de Alencar, sendo contratada pelas melhores companhias de teatro daqueles tempos.
Foi muito famosa, entretanto, por ser uma pessoa dos tempos do teatro, da fase pré-televisão, sua dimensão fica prejudicada se buscada pelo olhar e pela lembrança atual, correção que o livro de Elma faz pra gente. Quando do surgimento da televisão, Iracema, então uma das grandes atrizes do país, dona de companhia de teatro que percorria o Brasil, já era uma mulher de seus 50 e alguns anos. Aliado a isso, perceba-se que, depois de filmar Iracema, só voltou ao cinema na década de 1950, sendo que o seu grande filme foi Em Família, de 1971, já no final de sua vida. Mesmo assim, também na sétima arte e na TV foi muito requisitada, contracenando com os melhores atores e atrizes de seu tempo e dirigida pelos melhores diretores.
Por muito cedo ter se colocado entre as grandes de sua profissão, a jovem Iracema foi uma das fundadoras da Casa do Artista do Rio de Janeiro em agosto de 1918, retiro destinado a amparar colegas de profissão idosos e inativos. Inclusive, o belo e espaçoso teatro da casa leva o seu nome, em reconhecimento. Aliás, é muito homenageada no estado Rio: além do teatro do retiro, nomeia cinco ruas em diferentes cidades. O mesmo ocorre nas cidades de São Paulo, Joinville e, claro, Triunfo.
Em 2018, quando da pesquisa e lançamento de Para Sempre Iracema, uma matéria sobre o livro saiu no jornal Portal de Notícias e, em 2019, no Dia Internacional da Mulher, a prefeitura de Triunfo homenageou Iracema em suas redes sociais. Não escreverei mais sobre o que Elma e Ruben informam em seu livro para não lhes tirar a curiosidade de o ler - entendo ser um título obrigatório nas estantes das bibliotecas públicas da capital e da região Carbonífera. Eu mesmo, confesso, fui sábado no Quiosque da Ulbra São Jerônimo para o lançamento de outros dois livros de Elma Sant'Ana - Benzedeiras & Benzeduras e Deputado Menotti Garibaldi -, mas me apaixonei à primeira vista por Iracema, da mesma forma que os gaúchos e os cariocas dos anos 1910 e 20.
Todavia, não posso deixar de voltar a mencionar o filme Em Família (acessível no You Tube). Lançado em 19 de abril de 1971, dia do aniversário de 73 anos de Iracema (que completou 126 anos de nascimento na sexta-feira), nele interpretava Dona Lu, esposa de Seu Souza (Rodolfo Arena), os protagonistas. Num filme cuja trilha musical foi composta e conduzida por Egberto Gismonti, contracenou com Procópio Ferreira (Afonsinho), Fernanda Montenegro (Anita) e Odete Lara (Neli), numa história roteirizada por Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar e Paulo Pôrto (diretor do filme), onde o casal, ao perder sua casa, tem de morar com os filhos, em residências separadas. Imperdível, tem ainda muito a dizer nesses tempos em que as sociedades envelhecem no mundo e no Brasil.
Então era isso. Nada mais apropriado do que falar de uma boa leitura neste 23 de Abril, Dia Mundial do Livro. Hoje, se o tempo ajudar, as bibliotecas públicas charqueadenses Romeu Lombardi e Vera Gauss estarão deixando livros pela cidade, a fim de marcar a data.