Entre Sem Bater - O Bezerro de Ouro
Leonel Brizola disse:
"... esses pastores querem é estação de rádio e dinheiro. São adoradores dos bezerros de ouro ..."(1)
Brizola foi, com efeito, um político que fez a diferença em diversos momentos turbulentos da história recente republicana. As suas frases, como a que faz analogias com pastores evangélicos e o bezerro de ouro, certamente renderia muita polêmica. Como se não bastasse o efeito de cada Tijolaço(*) seu, suas frases ganharam repercussão além do Rio de Janeiro. Tijolaço transformou-se em nome próprio, que, atualmente, muitos utilizam com pouco conteúdo e eficiência.
O BEZERRO DE OURO
Na jornada épica de Moisés, presente, inclusive em vários livros sagrados, encontramos um episódio da idolatria ao bezerro de ouro. A narrativa diz que enquanto Moisés recebia os "Dez Mandamentos", seu povo, impaciente e descrente, clamou por um ídolo tangível. Aarão, irmão de Moisés, cedeu à pressão da patuleia e moldou um bezerro de ouro, a partir das joias doadas pelo povo. É, inquestionavelmente, o relato e foi naquele momento que começaram todas as guerras religiosas(2).
Com toda a certeza, essa narrativa serve como um alerta atemporal sobre os perigos da idolatria e da ganância. Surpreendentemente, nos templos neopentecostais atuais, essa sombra se manifesta de forma avassaladora. Pastores, em vez de guiar seus fiéis pelos caminhos da fé e da caridade, se transformam em vendedores de promessas vazias. Desse modo, explorando a fé e a necessidade dos mais vulneráveis para construir impérios de riqueza.
Assim como o bezerro de ouro serviu para a idolatria do povo hebreu, esses líderes religiosos se erguem como ídolos modernos. É notório como a maioria ostenta luxo e poder enquanto seus seguidores cegos lutam contra a pobreza e a miséria. A ganância sem limites transforma a fé em um negócio lucrativo, de exploração emocional e a manipulação psicológica. Assim sendo, pregações e palanques se tornam espaços para alcançar seus objetivos.
E, como nada é tão ruim que não possa piorar, desde a frase de Brizola, a tecnologia criou os palanques virtuais e digitais.
PÚLPITOS DIGITAIS
As redes sociais e as mídias digitais tornaram um negócio local, que exigia a presença nos templos, para que os dízimos aparecessem, coisa antiga. As modernidades como o PIX e as remissões do Estado para estes pastores, não têm limites.
Essa distorção da fé gera consequências devastadoras. Fiéis fazem doações de quantias exorbitantes, muitas vezes provenientes de seus parcos recursos. Inacreditavelmente, essas contribuições são em troca de promessas de cura, prosperidade e salvação. A fé genuína dá lugar a uma busca frenética por bênçãos materiais, alimentando um ciclo vicioso de exploração e sofrimento.
Desta forma, a luta para expor e repudiar essa ganância sem escrúpulos, que corrompe a fé parece ser uma batalha com um vencedor: o pastor. Assim sendo, presenciamos a transformação de templos religiosos em palcos de ostentação e manipulação. O que deveria, hipoteticamente e para quem precisa de alguma crença, ser um caminho de libertação, vira opressão e escravidão.
Raramente vemos líderes autênticos, que guiam seus fiéis pelos valores da compaixão, da caridade e da justiça social.
Enfim, para estes déspotas, o bezerro de ouro traveste-se de doação, mas é apenas idolatria e ganância que corrompem a fé.
MANIPULAÇÃO RELIGIOSA
Em tempos de hiperconectividade, a frase de Leonel Brizola continua atual e, sem dúvida, ganha contornos ainda mais pungentes. Se antes os "pastores" buscavam "estações de rádio e dinheiro", hoje, seus sucessores – os "profetas digitais" – dominam as redes sociais. Depois que ergueram impérios da comunicação com rádio e TVs, agora vivem no mundo digital, com a mesma fome por dinheiro alheio.
As plataformas digitais se tornaram púlpitos modernos, onde os "profetas" pregam suas doutrinas e vendem seus "milagres". A manipulação religiosa de um público néscio e sua avidez por respostas e soluções fáceis é assustadora. Através de sermões com coreografia, cânticos e representações teatrais, a cegueira avança. Como se não bastasse, através de imagens impecáveis, discursos celestiais e testemunhos pouco críveis, esses líderes religiosos prosperam. Desse modo, conquistam milhões de seguidores, transformando sua fé em um lucrativo negócio.
Contudo, por trás da fachada de piedade e benevolência, esconde-se uma insaciável ganância por dinheiro. Em outras palavras, o "bezerro de ouro" da era digital não reside mais em estátuas douradas, mas sim nos dígitos das transações online. Com toda a certeza, as doações milionárias e os lucros exorbitantes dos produtos com a benção divina (vassouras, canetas etc.) aumentam a opulência.
A troca de "água milagrosa", "azeite da unção" e outros itens movimenta cifras astronômicas e deixam fiéis devotos mais pobres. Tudo pela promessa de um lugar no paraíso – ou, pelo menos, a bênção de seus líderes.
PEQUENAS IGREJAS, GRANDES NEGÓCIOS
Essa busca por riqueza material corrói os pilares da fé, transformando igrejas em empresas, algumas enormes, e líderes religiosos em magnatas. A mensagem de amor e caridade se perde em meio ao marketing implacável e à ostentação de bens materiais, assemelha-se ao bezerro de ouro.
Brizola, em sua visão perspicaz, já antevia essa deturpação da fé. Para ele, esses "pastores" movem-se, primordialmente, por interesses mundanos. Ao utilizar a religião como ferramenta de manipulação e enriquecimento pessoal, comentem crimes impunemente. Nas palavras do político gaúcho, "... querem somente um bezerro de ouro ...", com a busca por riquezas acima de qualquer preceito religioso.
As redes sociais amplificaram o alcance desses "profetas digitais", permitindo que sua mensagem chegue a milhões de pessoas em todo o mundo. Essa expansão, no entanto, passa muito longe de qualquer responsabilidade ética, moral ou espiritual.
BATALHAS SEM FIM
Ao contrário, a busca pelo clickbait(3), as visualizações e adorações se tornou a principal motivação desses líderes religiosos. Isso os leva, sem dúvida, a criar conteúdos cada vez mais sensacionalistas, controversos e, muitas vezes, até mesmo enganosos. A verdade cede espaço ao espetáculo, a fé à autopromoção, e a caridade à ostentação.
Em suma, é preciso questionar os discursos dos "profetas digitais", analisar criticamente suas mensagens. Entretanto, a situação está em tal ponto que, se cada um de nós defende valores éticos, estes religiosos nos atacam com mentiras.
Não basta, atualmente, a reflexão crítica e o engajamento consciente para construir uma sociedade livre da exploração da fé. A luta contra os "adoradores do bezerro de ouro" da era digital é uma batalha que tem muita ingratidão(4). Assim sendo, todos aqueles que atuam na mistura perigosa(5), por atos e omissões são, na sociedade atual, inimigos da decência.
A batalha está consumindo esforços que nunca deveriam ter aplicação nesta guerra, parece que o velho Brizola estava certo.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) Tijolaço ou Tijolão era o termo que Leonel Brizola utilizou para escrever sobre as críticas que tinha sobre a grande imprensa. Quando queria, por exemplo, mostrar às pessoas sua opinião que a mídia escondia, publicava um artigo com a sua assinatura.
1) "Entre Sem Bater - Leonel Brizola - O Bezerro de Ouro" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/22/entre-sem-bater-leonel-brizola-o-bezerro-de-ouro/
(2) "Entre Sem Bater - Schopenhauer - As Guerras Religiosas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/05/entre-sem-bater-schopenhauer-as-guerras-religiosas/
(3) "Entre Sem Bater - Cathy O´Neil - O Clickbait" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/10/28/entre-sem-bater-cathy-oneil-o-clickbait/
(4) "Entre Sem Bater - Goethe - A Ingratidão" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/18/entre-sem-bater-goethe-a-ingratidao/
(5) "Religião e Política - Mistura Perigosa" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2022/01/04/religiao-e-politica-uma-mistura-perigosa/