Matrimônio, A Loteria do Hortifruti
"O maior responsável pelo divórcio é o matrimônio." (Groucho Marx).
Dados mostram que quase metade dos casamentos que terminam em divórcio duram menos de 10 anos. Cerca de 47,7% dos casais se divorciam com menos de 10 anos de união, 25,9% permanecem juntos entre 10 e 19 anos até o divórcio, e 26,4% se separam com mais de 20 anos de casamento. (publicado pela Revista Exame a partir de dados das Estatísticas do Registro Civil de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE).
Embora não sejam números que sustentem projeções sempre crescentes, e considerando o impacto da pandemia do Corona vírus, decisivo para a derrocada de muitos relacionamentos, fica a impressão de que casamentos duradouros são coisas do passado. Se perderam em algum ponto da linha do tempo, junto com a dona-de-casa, o bombril na ponta da antena da televisão e as rádios AM.
E essa constatação suscita indagações: "duradouro" inclui casais de cabeça baixa nas praças de alimentação dos shoppings, cada qual em seu celular? Pares que mantêm a contabilidade pessoal de ganhos e perdas em separado? O casamento realmente ultrapassou os riscos de desfacelamento quando um não tem acesso à senha de desbloqueio do celular do outro?
Se você pesquisar no Google, a entrevista que a Maria Fernanda Cândido concedeu ao Paulo Lima, da revista Trip, vai ter o prazer de escutá-la discorrendo sobre a longevidade do casamento (o dela, com o francês Petrit Spahira, já dura quase vinte anos). Num dado momento ela comenta as peculiaridades da escolha de um parceiro, e do que acredita ser a metáfora perfeita para os relacionamentos. É como escolher uma caixa de morangos - ela diz - você pega a caixa, e por cima estão os morangos mais graúdos, bonitos, saudáveis e saborosos. Aí você chega em casa e percebe que a caixa não é exatamente o que parecia. Há morangos menores e um tanto azedos no meio. E talvez até estragados no fundo da caixa. Mas é possível administrar isso se o seu amor por morangos for suficientemente grande. Muitos não aceitam que a caixa tenha defeitos; mas veja, seres humanos são peritos em vender a própria imagem, e uma certa medida de desapontamento com as frutas contidas na caixa já deveria ser considerada no ato da aquisição. Muitos, no entanto, questionando suas escolhas, passam uma boa parte da vida adquirindo novas caixas, que sempre apresentarão as mesmas características. O famoso seis por meia dúzia (talvez por que insistam em adquirí-las sempre na mesma barraca da feira).
Não sou ingênuo ao ponto de acreditar que todo casamento seja o caso de "administrarmos os defeitos do outro". Às vezes esses são insuportáveis e só afloram depois que se está dividindo o mesmo teto. Mas o mundo descartável que compartilhamos hoje não poupa relacionamentos e pessoas. Então, o fato de não podermos nos esquecer de que nós mesmos somos uma caixa de morangos para o outro (e de que não podemos nos descartar por motivos óbvios) faz pensar que o casamento, além de uma grande loteria, é uma questão de saber ceder, negociar e entender o lado do parceiro.
Mas, preciso dizer, quando já nos lançamos à segunda ou terceira aquisição de uma "caixa de morangos" não dá para jogar a culpa sempre no feirante; alguma coisa em nosso critério de escolha precisara de urgente revisão.