O conservador do Guarujá.
Era uma agradável manhã de domingo de carnaval, o sol nascia reluzente entre nuvens brancas e aquele aromático cheirinho da brisa pairava no ar. No calçadão da Praia das Pitangueiras, Sr. Valmir Valadão, mais conhecido por todos como Irmão Vadão, dava seguimento à sua rotina matinal, seria dia como qualquer outro, apenas mais uma saudável caminhada pela orla do Guarujá.
Vadão era conhecidíssimo, muito respeitado no bairro e na igreja. Conservador e Bolsonarista de carteirinha, desses que subiam a serra até a Paulista, com bandeira no ombro e camisa da seleção, só para apoiar o Mito. Não perdia tempo, quando o assunto era política, tinha opinião e resposta na ponta da língua para tudo. "Deus, pátria e família" mencionava a frase em uma bandeira verde e amarela hasteada na fachada de sua casa. Radical de direita a cada fio de cabelo grisalho que surgia em sua cabeça e barba, orgulhava-se do perfil de autêntico sessentão antiprogressista.
Entretanto, nem sempre foi assim, já houve um tempo em que Vadão era "vida louca". Quando mais jovem, já fora preso — uma vez, por roubo, outra, por crime de estelionato em cartão, previsto no artigo 171 do Código Penal. Foi na cadeia o lugar onde Vadão "aceitou Jesus" e tornou-se um cristão neopentecostal. Arrependeu-se de seus atos, jurou mudar de vida e, desde então, manteve-se afastado de coisas erradas e mundanas. Saindo dali, teve a sorte de conseguir um bom emprego na área portuária, aposentou-se, fez família, teve dois filhos e, até aqui, levava uma vida normal, era hipertenso e pré-diabético, mas mantinha uma rotina saudável e estável.
Naquele dia, por ironia do destino, a Polícia Militar de São Paulo realizava uma operação na cidade, seu objetivo era prender um “sniper do tráfico” após o assassinato de um PM. Um dia nada comum na região, a população estava assustada, os noticiários destacavam o lamentável fato, a situação de instabilidade, e de insegurança, só aumentava. Uma denúncia anônima dizia que foram vistos dois homens com atitude suspeita entrando em um veículo estacionado em uma esquina próximo à orla, local onde Vadão havia deixado seu carro. Para o seu azar, naquele dia ele não se lembrou de travar as portas, fato que ele próprio notou ao chegar próximo e apertar o botão de destrave. Simultaneamente à sua chegada, uma viatura da ROTA se aproximava, uma metralhadora Leve Negev 762 foi apontada em sua direção, a ordem de encostar na parede e abrir as pernas veio imediatamente.
"Esse carro é seu?" pergunta um policial. Vadão confirma que sim... "Tem passagem?". Vadão confessa que já fizera coisas erradas no passado, mas que virou a mesa, agora era cristão, conservador de direita... antes mesmo de se explicar e falar sobre sua vida atual, é interrompido com um tapão na cara, seguido de um "cala a boca, só vira pra parede e baixa a cabeça". Vistorias são realizadas no veículo, abrem o capô, porta malas, desmontam bancos, puxam carpetes... Vadão apenas observa aquilo, inconformado, até sente vontade se virar e de falar, mas teme por outra hostilidade vindo por parte dos policiais. De repente, um pacote de maconha e outro de crack são encontrados no compartimento lateral. Vadão fica em choque, já fizera coisas erradas antes, mas nunca usou drogas em toda sua vida. Ao tentar se justificar, outro tapa é dado seguido da ordem "entra na viatura e fica calado".
Os dias seguintes tornaram-se um verdadeiro pesadelo para o Sr. Valmir Valadão. Na delegacia, apesar de jurar inocência e mostrar-se inconformado com o que estava acontecendo, o delegado de plantão resolveu deixá-lo em prisão provisória até maiores apurações sobre o caso, a cidade estava em alerta total, era um momento de "tolerância zero" para o crime ou ato suspeito.
No bairro, todos ficaram sabendo de sua prisão, para alguns era algo inacreditável, mas o inevitável sempre vem à tona, boatos começavam a surgir sobre o seu passado, em sua igreja, por exemplo, havia até quem dizia que ele sempre foi um traficante perigoso e se disfarçava de "bom moço". O pior para Vadão ainda estava por vir. Enquanto estava preso, angustiado e inconformado, sofreu um fulminante ataque cardíaco, apesar da tentativa de massagem cardíaca de alguns companheiros de cela, não resistiu, morreu antes mesmo de provar sua inocência, cercado de criminosos, traficantes e carcereiros que ficaram indiferentes à sua morte.
Chegava ao fim, então, a história de um homem conservador, um bom amigo, um vizinho muito querido e um grande irmão da igreja. Vadão viveu conforme com suas convicções ideológicas "bandido bom é bandido morto", cansou de dizer. Morreu vítima de sua própria intolerância e prepotência... Uma amarga ironia da vida... No Guarujá todos se perguntavam: como isso pôde acontecer?