Diretas Já - 40 Anos
DIRETAS JÁ(1)
Em primeiro lugar, este texto é feito para todas as idades, sem distinção de raça, gênero, crença ou opção política e esportiva. O tema-título diz respeito ao único movimento em que o povo brasileiro experimentou uma pontinha de democracia ou liberdade. Por outro lado, o "Diretas Já" foi a maior derrota que uma mobilização nacional de um país sofreu. Certamente, o pessoal do Guinness World poderia avaliar se existe algum tipo de recorde que poderia resultar em uma premiação para os brasileiros.
Na década de 1980, o Brasil estava sob o regime militar que governava o país desde o golpe de 1964. Esse período foi marcado pela censura, repressão política e ausência de eleições diretas para a escolha do presidente. Contudo, o descontentamento popular cresceu ao longo dos anos, e a sociedade brasileira começou a se mobilizar em busca de mudanças políticas.
MOVIMENTO POPULAR
O movimento "Diretas Já" foi um importante marco na história política brasileira. Teve, a princípio, o objetivo principal conquistar a volta das eleições diretas para a escolha do Presidente da República (PR). O movimento ganhou força a partir do comício de Goiânia, realizado em 15 de junho de 1983. É provável que muitos historiadores tenham dado como seu fim na derrota da Emenda Dante de Oliveira, em 25 de abril de 1984.
Entretanto, nos últimos 40 anos, o Brasil testemunhou um cenário político eleitoral marcado por movimentos de transformações e desafios. Desse modo, é possível que estes diversos movimentos, desde 1983, sofreram influência direta do movimento das "Diretas Já". Portanto, o movimento foi, com toda a certeza, o indutor da trajetória política eleitoral do brasileiro desde então.
GOIÂNIA - 40 ANOS
Certamente, o comício de Goiânia (GO) foi marcante, um evento histórico que reuniu centenas de milhares de pessoas em um ato político pela democracia. O início de tudo reuniu líderes políticos, intelectuais, artistas e a população em geral no clamor por eleições diretas. Buscavam uma saída para o regime militar que estava à frente de uma ditadura no país desde o golpe de 1964.
O movimento ganhou adesão popular e mobilizou diversos setores da sociedade brasileira. Comícios, manifestações e protestos foram realizados em várias cidades do país. Desta forma, evidenciou-se o desejo de uma participação mais democrática dos brasileiros, inclusive na escolha do presidente.
As palavras de ordem mais conhecidas eram "Diretas Já" e "Eu quero votar para presidente".
DANTE DE OLIVEIRA
A Emenda, proposta pelo deputado federal Dante de Oliveira, foi uma tentativa de retomar as eleições diretas para a Presidência da República. Essa emenda propunha uma modificação na Constituição ditatorial vigente, estabelecendo a eleição direta presidencial em 1984. A aprovação da emenda dependia de um quórum de dois terços do Congresso Nacional, de acordo com regras constitucionais.
Apesar do amplo apoio popular, a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada no Congresso Nacional em 25 de abril de 1984. A derrota foi um duro golpe para os defensores das eleições diretas, mas o movimento "Diretas Já" teve um papel fundamental na redemocratização do Brasil. Desse modo, contribuiu para o fim do regime militar e abriu caminho para a eleição indireta de Tancredo Neves(*) em 1985. e a promulgação da Constituição de 1988, que restabeleceu a democracia no país.
O movimento "Diretas Já" uniu diferentes segmentos da sociedade em torno da luta pela democratização política. Apesar da derrota da Emenda Dante de Oliveira, o movimento deixou um legado de participação cidadã e fortalecimento da consciência política no Brasil. O clamor por eleições diretas foi um marco na história brasileira e um passo importante rumo à construção de uma sociedade mais democrática.
REDEMOCRATIZAÇÃO
Apesar dos esforços e da mobilização da população, o movimento das "Diretas Já" não conseguiu alcançar seu objetivo plenamente. A emenda constitucional não foi aprovada pelo Congresso Nacional, entretanto foi crucial para abrir caminho para a redemocratização do país.
Historicamente, alguns movimentos posteriores, político-eleitorais, indicam, supostamente, que avançamos no processo de redemocratização.
1989
O Brasil realizou a primeira eleição presidencial direta após 29 anos. Fernando Collor de Mello foi eleito presidente, mas seu governo foi marcado por escândalos de corrupção e uma crise econômica. Em 1992, Collor sofreu um processo de impeachment. Desse modo, criou-se a ideia de que a sociedade brasileira estava disposta a lutar contra a corrupção e a responsabilizar os governantes. Contudo, o alvo era somente o PR e outros de outros poderes e esferas, saíam ilesos.
Anos 1990
A partir da década de 1990, o Brasil viveu um período de aparente estabilidade democrática. Com efeito, a realização de eleições regulares e a estabilidade econômica permitiram a alternância de poder entre diferentes partidos políticos. No entanto, a política brasileira também enfrentou desafios, como a corrupção sistêmica, que minou a confiança da população nas instituições políticas. O Estado sofreu diversos ataques com privatização de patrimônios da nação de maneira pouco transparente. Sem dúvida, estabilidade econômica e eleições para PR foram fatores determinantes para estabilidade nacional. Por isso, além de outros diversionismos, a população se mobilizou em ações com pouca relação com política. A diversificação de partidos, mudanças de nomes e novas siglas perpetrou alguns defeitos das democracias. A personificação eleitoral criou castas de políticos(2) sem nenhum compromisso partidário e com interesses individuais.
Anos 2000
Entre meados dos anos 2000 e início dos anos 2010, o Brasil testemunhou um crescimento econômico e inclusão social significativos. Entretanto, a insatisfação com a gestão política e a falta de resposta às demandas da população levaram a protestos massivos em 2013. Movimentos como as "Jornadas de Junho", que tiveram outros menores anteriores, indicavam posicionamentos erráticos. Esses protestos refletiram uma crescente desilusão com o sistema político.
Foram movimentos, sobretudo, que aparentavam uma busca por uma maior participação e transparência na política. Por outro lado, eram movimentos que não estavam ligados ao governo e nenhuma oposição com alguma proposta. Certamente, a maioria de seus participantes, contava com ajuda da mídia e as redes sociais entraram em ação na realização destes eventos. Movimentos de alguns setores, como por exemplo, dos rodoviários de carga, de estudantes por passagem de ônibus, tinham limitações. A realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas acirrou os ânimos e criou-se a realidade de um Fla-Flu(3) político.
ANOS DE RETROCESSO
Após experimentar a inclusão social, desenvolvimento e inclusão digital em limites e regras, o país entrou na era de pedir mudanças pelas redes sociais. Como se não bastasse, desde 2014, as redes sociais passaram a eleger pessoas sem atividades políticas coletivas. Hordas de candidatos, com bastante dinheiro para irrigar influenciadores digitais, ganharam cadeiras no Legislativo e Executivo.
Em 2016, o país enfrentou outro processo de impeachment, desta vez contra a presidente Dilma Rousseff, em mais um golpe de um vice-presidente(4). Este movimento, que não teve a participação da sociedade, em nada reflete o ideário do "Diretas Já". Assim sendo, a instabilidade política e desgaste das instituições entrou na pauta das redes sociais. As pessoas, sem saber das coisas, reproduziam notícias e opiniões como se fossem fatos e surgem as malditas fake news. Nas eleições presidenciais de 2018, foi eleito um PR num contexto de polarização política e de ascensão do discurso conservador. A extrema-direita assenhoreou-se, através das redes sociais, e conseguiu eleger seus representantes nos municípios, estados e União.
2023
Ao refletir sobre a evolução ou retrocesso político eleitoral nos últimos 40 anos no Brasil, é possível observar avanços importantes para a democracia. A realização de eleições diretas para PR e a alternância de poder entre diferentes partidos políticos, por exemplo, são positivas. Contudo, também foram identificados desafios persistentes que, de fato, obscurecem a proposta de politização da sociedade.
Podemos, por exemplo, citar algumas dificuldades relevantes nos dias atuais para uma efetiva democracia participativa.
A corrupção sistêmica que não aparece na mídia ou que não se mostra com transparência nos órgãos de controle.
O desequilíbrio entre os Poderes constitucionais provoca a confusão entre a população.
O avanço desenfreado de ferramentas e plataformas de redes sociais que privilegiam a desinformação.
Pouco debate e procrastinação pelo Congresso nas reformas necessárias para o avanço do país.
O desvirtuamento da proposta política através de partidos com a personificação de políticos como "salvadores".
Desalinhamento da educação brasileira nas disciplinas de história, cultura e sociedade.
TEMPOS ATUAIS
É necessário destacar que o movimento das "Diretas Já" foi um marco fundamental na luta pela democracia. Embora seus objetivos imediatos não pudessem ajudar a redemocratização do país, plantaram uma semente. A partir daquele movimento, a sociedade brasileira começou a demandar maior participação e transparência na política. Entretanto, as divergências culturais acirraram-se e o que estava "dentro do armário" explodiu sem nenhum controle.
Temas como racismo, misoginia, preconceito, homofobia, dentre outros entraram na pauta sem nenhum debate e alimentaram o Fla-Flu. A geração de brasileiros com menos de cinquenta anos de idade não estudou o movimento das "Diretas Já" como deveria. Esta geração está no comando das redes sociais e, se oferecermos a eles duas ou três perguntas sobre o tema, vão gaguejar. Como se não bastasse, podem ir no "Google" ou algum gerador de conhecimento de "Inteligência Artificial" e repassarão a resposta.
Se esta geração sub-50 não estudar um pouco mais sobre a história recente do país, o futuro não prevê "céu de Brigadeiro".
FUTURO
Em suma, olhando para o futuro, é essencial que os brasileiros repensem se querem continuar a fortalecer suas instituições democráticas. Certamente, alguns temas como combate à corrupção, a inclusão política e social e outras destinadas à população e setores, são essenciais. Contudo, estamos vivendo uma democracia guiada, desde 1808, vivendo de aparências e esporádicas concessões. Decerto, somente através do engajamento cívico, da educação política e do pensamento crítico, conseguiremos avançar.
A busca por uma sociedade mais justa e igualitária só será possível se soubermos e praticarmos temas como economia solidária, desenvolvimento sustentável, respeito às diferenças. Portanto, só consolidar uma evolução política eleitoral é totalmente insuficiente para que o país avance como nação e povo.
Enfim, se houve avanços importantes, os retrocessos recentes ameaçam qualquer proposta de avançarmos para uma democracia plena. Os atos terroristas e golpistas de 8 de janeiro de 2023 ainda poderão entrar como mais um duro golpe na redemocratização do país.
Raramente se vê algum professor falando sobre as Diretas Já como um movimento dos mais importantes do país. A escolha de "Top 5", 10 ou 15 dos movimentos ou momentos mais importantes é muito polêmica. Não sou historiador mas tenho ao menos uma dúzia deles, determinantes para a nossa história e cultura. Eu começaria pela absurda e falaciosa transformação do Brasil-Colônia no Reino Unido(5).
Destaco um pequeno vídeo(6), com muito conteúdo, e que coloca as "Diretas Já" como um dos 7 principais movimentos, certamente, um grande avanço.
P. S.
(*) Conforme já descrito em muitos textos e neste, os fatos históricos, sobretudo os mais recentes, são interligados e oferecem até livros sobre cada tema. A eleição indireta e a sua morte (Tancredo Neves) antes da posse, é um movimento com muitas perguntas em aberto.
(1) "Diretas Já - 40 Anos" original em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/06/15/diretas-ja-40-anos/
(2) "Um negócio (ótimo) de pai para filho" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/02/18/um-negocio-otimo-de-pai-para-filho/
(3) "O Fla-Flu de uma nação dividida" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/11/12/o-fla-flu-de-uma-nacao-dividida/
(4) "Res pública - De Floriano a Temer" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/05/12/res-publica-de-floriano-a-temer/
(5) "200 anos sem Dom João VI" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2021/04/25/200-anos-sem-dom-joao-vi/
(6) Vídeo no Youtube em https://www.youtube.com/watch?v=yD3IOPhizmA