PASSANDO DO PONTO
— Pelo jeito gosta de ler, hein senhor?
Fez a indagação enquanto observava o vizinho absorto na leitura do livro.
— Sim, é um hábito adquirido desde a infância
— E qual o gênero preferido?
— Não tenho preferência, romance, conto, crônica, poema, enfim, várias obras.
— E como escolhe cada uma das obras para ler?
— Escolho pelo titulo, pelo tema, ou pelo autor. As vezes por indicações.
Enquanto escutava, pediu licença e levantou-se do assento para não atrapalhar, percebera que o passageiro ao lado prestava mais atenção ao livro que às suas perguntas.
Contudo, antes de seguir adiante, não suportou a curiosidade:
— Eu nunca li um livro. Como é que funciona?
— É uma troca entre o escritor e o leitor.
— Como assim? Não entendi.
— Está bem, explico. Ler é ouvir o que o autor desenhou em cada linha, o que ele escreveu toda à noite, até de manhãzinha..
O outro com a cara de espanto:
— E como é escrever?
— Escrever é falar ao ouvido do leitor, bem baixinho, fazendo com que ele entenda tudo, tudo bem devagarinho.
— E este livro que o senhor está lendo, é sobre o que?
— É um livro de poesias. Poesias de amor.
— Poesias não são para declamar?
— Sao também.
— E do que se trata?
— Das dores do amor
— Mas amar dói?
— Amar não dói, não ser amado é que causa dor.
— Motorista, motorista, pare por favor! O meu ponto ficou para trás.