PASSANDO DO PONTO

— Pelo jeito gosta de ler, hein senhor?

Fez a indagação enquanto observava o vizinho absorto na leitura do livro.

— Sim, é um hábito adquirido desde a infância

— E qual o gênero preferido?

— Não tenho preferência, romance, conto, crônica, poema, enfim, várias obras.

— E como escolhe cada uma das obras para ler?

— Escolho pelo titulo, pelo tema, ou pelo autor. As vezes por indicações.

Enquanto escutava, pediu licença e levantou-se do assento para não atrapalhar, percebera que o passageiro ao lado prestava mais atenção ao livro que às suas perguntas.

Contudo, antes de seguir adiante, não suportou a curiosidade:

— Eu nunca li um livro. Como é que funciona?

— É uma troca entre o escritor e o leitor.

— Como assim? Não entendi.

— Está bem, explico. Ler é ouvir o que o autor desenhou em cada linha, o que ele escreveu toda à noite, até de manhãzinha..

O outro com a cara de espanto:

— E como é escrever?

— Escrever é falar ao ouvido do leitor, bem baixinho, fazendo com que ele entenda tudo, tudo bem devagarinho.

— E este livro que o senhor está lendo, é sobre o que?

— É um livro de poesias. Poesias de amor.

— Poesias não são para declamar?

— Sao também.

— E do que se trata?

— Das dores do amor

— Mas amar dói?

— Amar não dói, não ser amado é que causa dor.

— Motorista, motorista, pare por favor! O meu ponto ficou para trás.

Samuel De Leonardo (Tute)
Enviado por Samuel De Leonardo (Tute) em 20/04/2024
Reeditado em 20/04/2024
Código do texto: T8045862
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