Entre Sem Bater - Tragédia Social

Bill Hicks disse:

"... a maior tragédia social é a nossa própria indiferença. Damos poder aos incompetentes e ouvido aos idiotas ..."(1)

Se ainda estivesse vivo, Bill Hicks(*) teria ataques de fúria pelo que se vê, atualmente, como stand up comedy. Do mesmo modo que a maioria dos críticos sociais com altíssima percepção, Bill Hicks merece atenção nas suas frases. Além de serem objetivas e diretas, demonstram uma percepção ampla da tragédia social destes novos tempos(2).

TRAGÉDIA SOCIAL

O desastre coletivo do qual somos corresponsáveis não aparece "do nada". Desde quando aceitamos, por exemplo, passivamente o discurso de gente como "... por isso não voto em ninguém..." iniciam-se muitas tragédias. A construção do bem-estar coletivo e desenvolvimento social exige que saibamos votar. Logo após votar, devemos entender e nos precaver contra a desgraça social que se tornou a Internet com os idiotas livres e soltos na rede.

Desse modo, Bill Hicks previu, com toda a certeza, que a calamidade, catástrofe e drama de nossa sociedade é nossa responsabilidade. Expurgar autoridades incompetentes ou que governam para poucos e calar os idiotas das redes sociais é nossa responsabilidade.

AUTORIDADES INCOMPETENTES

Uma sociedade contemporânea constrói-se sobre alicerces que demandam competência, responsabilidade e visão por parte das autoridades que detêm o poder. Quando competência e responsabilidade são ausentes, as consequências são catastróficas e provocam uma tragédia social ampla. A incompetência das autoridades coloca em risco a segurança, o bem-estar e o progresso de comunidades inteiras. Como se não bastasse, em contraposição ao desenvolvimento comunitário, castas se apropriam das benesses do público.

FRAGILIZAÇÃO

Uma das manifestações mais visíveis, a princípio, da incompetência das autoridades é a dilapidação dos serviços públicos essenciais. Saúde, educação, segurança e infraestrutura são pilares fundamentais para o funcionamento saudável de uma sociedade. Quando líderes inaptos ou privatistas assumem o poder quem sofre, inicialmente, é a população que mais precisa. Desvios na alocação de recursos, planejamentos impróprios e a "necessidade" de mudar tudo que se construiu provocam desastres. Adicionalmente, a má gestão administrativa resulta em hospitais insuficientes, escolas em condições precárias, aumento da criminalidade e infraestrutura em destruição.

Na área da saúde, a negligência e má gestão se traduz em falta de medicamentos, equipamentos obsoletos e equipes médicas sobrecarregadas. Nesse ínterim, a pandemia de COVID-19, evidenciou a incompetência na gestão, que resultou em perdas irreparáveis ​​de vidas humanas. Vivenciamos e sofremos com a falta de coordenação na distribuição de recursos e na implementação de medidas de contenção.

INSTITUIÇÕES

Os setores mais independentes da sociedade são os que suportam o peso da tragédia social(3) decorrente da incompetência das autoridades. A negligência com as políticas de inclusão e assistência social leva a um ciclo de pobreza e marginalização. Crianças em situação de vulnerabilidade não têm uma educação de qualidade, perpetuando a desigualdade intergeracional. Como se não bastasse, idosos enfrentam dificuldades quanto à assistência médica e previdência social.

Além disso, grupos minoritários muitas vezes sofrem prejuízos e ameaças de maneira desproporcional. A incapacidade das autoridades em garantir a justiça e a igualdade de oportunidades cria um ambiente propício para a discriminação e a injustiça. Desta forma, os princípios fundamentais de uma sociedade democrática e justa viram letra morta e insumo para a tragédia social.

Assim sendo, os cidadãos demoram a perceber que aqueles em posições de poder são incapazes de cumprir suas responsabilidades básicas. Por isso, o sentimento de desespero e cinismo se espalha e poucas são as vozes a se insurgir. Desta forma, cria-se um ciclo de apatia política, onde os cidadãos se afastam dos processos democráticos, beneficiando influenciadores do mal.

A falta de transparência e prestação de contas das autoridades incompetentes contribui ainda mais para a desconfiança generalizada. A ausência de medidas concretas para corrigir os erros e responsabilizar, de fato, ​​cria um ambiente em que a impunidade prevaleceu. Em seguida, agrava-se ainda mais a percepção de que as instituições são ineficazes e desonestas. Enfim, as instituições não são ineficazes, as pessoas que lá estão é que ou são incompetentes ou cruéis com a sociedade.

ECO DOS IDIOTAS E SERVIÇAIS

Desde que as redes sociais emergiram como um poderoso meio de comunicação, passamos a compartilhar informações e moldamos nossas opiniões. Entretanto, essa conectividade também abriu espaço para uma problemática crescente: a amplificação de vozes ignorantes e prejudiciais. Desse modo, estes áulicos ganharam um palco desproporcionalmente alto, e eles pagam mais e melhor para ampliar seu alcance. A tragédia social desencadeada pelo eco dos idiotas nas redes sociais é um fenômeno preocupante que mina a razão. Como se não bastasse, dilui o discurso saudável e com fundamentação e impacta os todos os valores da sociedade.

O termo "idiotas" pode ter vários entendimentos, seja de maneira pejorativa ou agressiva ou de maneira genérica e de senso comum(4). Contudo, todas as referências alinham-se com a disseminação de informações falsas, opiniões infundadas e extremismo simplista e sectário.

Nas redes sociais, a busca por cliques, compartilhamentos e curtidas resulta em algoritmos que favorecem o sensacionalismo em detrimento da veracidade. Isso permite que as vozes mais estridentes, mesmo que careçam de fundamentação, alcancem um público global. Quando essas vozes detêm opiniões preconceituosas, conspiratórias ou sem fundamentos científicos, a tragédia social progride exponencialmente.

SOCIEDADE DIGITAL

Inquestionavelmente, o maior perigo ao dar ouvido aos idiotas nas redes sociais é o impacto nas crenças e atitudes das pessoas. A repetição de informações falsas cria uma ilusão de verdade, e leva as pessoas a acreditarem em teorias conspiratórias ou mitos. Um exemplo notório é a disseminação de desinformação sobre vacinas, que ainda provoca a redução das taxas de vacinação. Quando o conhecimento sai de campo e entra o clamor dos idiotas, a sociedade se torna mais vulnerável.

Além disso, a ascensão dos idiotas nas redes sociais resulta em uma polarização alarmante da sociedade (um Fla-Flu eterno). Como se não bastasse, as plataformas encorajam o extremismo - o exemplo do LinkedIn e seus desvirtuamentos é lapidar. Isso leva a uma incapacidade coletiva de compreender e dialogar com visões divergentes, prejudicando o tecido social e político. Desta forma, ao dar voz desproporcional aos idiotas, as redes sociais consolidam uma sociedade dividida e hostil. Raramente, observa-se nessas plataformas a existência de um diálogo construtivo objetivando o desenvolvimento e progresso social.

Por outro lado, temos um problema que está longe de ter uma percepção e transparência. A sociedade, equivocadamente, sempre confiou na imprensa e nas instituições para obter informações precisas e analisar a conjuntura. No entanto, as atividades dos idiotas nas redes sociais desencadeia uma crise de confiança nesses canais tradicionais. Desse modo, mina-se a busca pela verdade e permite que teorias da conspiração sem base avancem, sem retorno. A desvalorização do jornalismo responsável, em favor de narrativas sensacionalistas, é um efeito gravíssimo dessa tragédia social.

COMO ENFRENTAR?

Em última análise, a tragédia social decorrente das autoridades incompetentes e idiotas das redes sociais é complexa e cria raízes fortes. O aparecimento das pessoas de direita que defendem armas e matança saiu dos porões e está nos gabinetes de cada poder. Não salva Judiciário, Legislativo ou Executivo, em todas as esferas.

O enfrentamento a esta situação alarmante de caos social e político encontra muitas dificuldades e as eleições não são a solução.

A educação funcional, digital e o pensamento crítico emergem como as melhores armas para combater o eco dos idiotas e a incompetência. As pessoas precisam de formação para discernir informações falsas, para questionar fontes duvidosas para procurar mais do que evidências. Além disso, as plataformas de redes sociais também têm a responsabilidade de repensar seus algoritmos. A recente moda da inteligência artificial (IA) parece estar promovendo ilusões maiores na sociedade. Deve-se priorizar a promoção de conteúdo de qualidade e que possa sofrer fiscalização, auditoria e verificação.

Em suma, a tragédia social, com origem na incompetência geral de autoridades e o eco dos idiotas nas redes sociais é um grave problema. Precisamos promover e lutar com unhas e dentes pelo pensamento crítico e pelo diálogo respeitoso. Com toda a certeza, somente encarando o bicho de frente poderemos mitigar os efeitos negativos que vivemos hoje em dia.

No Brasil, este problema revela-se mais grave pois para restaurar a confiança na informação e no discurso público precisamos de tempo. E, como se não bastasse, após uma eleição complexa e com polarização desproporcional, já entramos em outra. Autoridades incompetentes e idiotas de redes sociais parecem não gostar de transparência e debate.

AVANÇO PÚBLICO

Ao contrário do retrocesso que constatamos nos últimos anos, é necessário que o avanço público e comunitário ocorra em tempo recorde. Além disso, estes avanços, o desenvolvimento e progresso devem ter mecanismos de salvaguarda que protejam a sociedade de retrocessos.

A sociedade deve se precaver quando líderes inaptos estão no controle, prejudicando a qualidade de vida da maioria. Quando um governante trabalha diuturnamente para privatizar a água de uma região, deve existir políticos que defendam o povo. Desse modo, evita-se que estes áulicos minem a confiança nas instituições e as desigualdades avancem.

Para evitar essas consequências devastadoras, é fundamental que os processos de seleção e eleição de autoridades sejam melhores. Além de mostrarem competência, integridade e capacidade de liderança, estas autoridades devem ter compromissos com a sociedade. Escolher autoridades por eles representarem grupos econômicos ou por serem pessoas aparentemente boas, é um risco.  Além disso, a sociedade deve estar vigilante e exigir prestação de contas e transparência. Desse modo, inicia-se o caminho para que aqueles que detêm o poder sejam servidores do bem-estar e do progresso coletivo.

Bill Hicks tinha uma ideia de tragédia social bem diferente da nossa experiência no Brasil. Ele, de fato, tinha uma visão bastante restrita de sociedade para além dos EUA, o que é compreensível. Seu estilo controverso de comediante não faria muito sucesso no Brasil pois a concorrência é grande. Será que ele imaginou que um comediante poderia ser presidente de um país e enfrentar a Rússia?

Não podemos deixar que os idiotas continuem a idolatrar autoridades incompetentes e que exigem PIX e que estes idiotas(5) dobrem a meta.

P. S.

(*)

Bill Hicks tem frases muito polêmicas como de sua autoria. É provável que esta frase-título não tenha uma tradução dentro de um contexto para interpretação atual.

(1) "Entre Sem Bater - Bill Hicks - Tragédia Social" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/08/05/entre-sem-bater-bill-hicks-tragedia-social/

(2) "Entre sem bater - James Einstein - Nesses Tempos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/06/29/entre-sem-bater-james-weinstein-nesses-tempos/

(3) "Entre sem bater - Otto von Bismarck - Insegurança Social" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/07/18/entre-sem-bater-otto-von-bismarck-inseguranca-social/

(4) "Senso comum e a Manipulação de Massas" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/05/09/senso-comum-e-a-manipulacao-de-massas/

(5) "Idiotia - um conceito que não assimilamos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2020/11/23/idiotia-um-conceito-que-nao-assimilamos/