Um sujeito singular, ou, de onde vem a dor

Quase rindo do excesso de emoções, o sujeito seguiu caminho. Não falava nada, só pensava.

Andou por tempo suficiente para se dar conta que tudo acontece conforme as circunstâncias. Não queria antecipar ações e, menos ainda, não queria ser precipitado em responder aquela ofensa. Era, e assim agia, cauteloso. Não apreciava atitudes impensadas. Homens sábios, por descuidos, arruinaram suas vidas porque deram os passos antes dos acontecimentos, dizia em pensamentos.

Não ignorava, porque não era de ignorar, que de tudo o que ouviu, a possibilidade da ignomínia com seu nome foi a mais e maior das ofensas. Nunca usaria tamanha vileza contra com quem fosse. Era um homem de princípios. Respeitava posições contrárias, até admirava seus opositores quando amparados em argumentos. Nunca discutiu desprezando quem fosse. Rejeitava a posição social como ante-paro às conquistas; achava que tais institutos eram a causa da miséria e da desigualdade na sociedade.

Quando a alma se expande e ressoa é como se às voltas da gente nada mais importasse, pensou, e, sem perceber, anunciou o que pensou em voz alta. Era como se tudo, num atimo, se congelasse e toda existência, tudo que nela há, ficasse guardado, num tempo fora do nosso tempo. E toda tristeza e sofrimento que houvesse deixassem de existir.

Mas, não estava disposto à filosofia. Por mais que não quisesse, não conseguia esquecer. Por que, por que, as pessoas parecem sentir prazer em causar dor? Tantas conjecturas e nenhuma resposta.

Continuou o trajeto. Pensamentos se avolumavam como água que se acumula num canto qualquer da via. Todavia, a sensação de dor, a triste sensação de esquecido como uma carta sobre a mesa, uma carta jogada sem ao menos ter sido aberta, lhe dava a sensação de ser a carta sem importância, a carta sem necessidade de ser lida.

E andava. E pensava.

Como reagir, como voltar lá e dizer algumas verdades, pensou num átimo de sutil lucidez. Será possível, será oportuno chegar lá e dizer algumas verdades, colocar sobre a mesa, sem receio, sem preocupação com o que irão achar?

Era possível ir lá. Era necessário seguir no que acabara de pensar. Era vital um ponto final. Não dava mais pra continuar. Pensou tantas ações possíveis, mas a ideia de virar a mesa, figura e concretamente, parecia mais plausível. Virar a mesa e dizer tudo de uma só vez, sem pausa. Era necessário dizer sem pausa para não perder o fio da meada. Falar sem rodeio. Ser direto, era vital ser direito. Quem rodeia o pensamento, pensou, perde o principal. Falar pra não esquecer. Por que, por que? , martelava na cabeça a pergunta.

Decidiu esperar. Decidiu esperar para ver se haveria pedido de desculpa, um novo modo de agir. Perscrutou, como um anjo que vigia seu protegido, a esperança de ser procurado e ouvir de própria boca "me desculpe". Nada ocorreu. O silêncio da ofensora, causou um certo grau de descrença, ele que sempre i i inaltecia a capacidade de se redimir do ser humano. Era, para ele, o brilho, o último retoque do Criador em sua obra maior.

Nada aconteceu. Aos dias outros se seguiram. Novas possibilidades apareceram, porém, decepcionado, não deu permissão para seus instintos se manifestarem. Se recolheu como um prisioneiro em sua cela e dela não saiu.

Vive os dias como o passageiro à espera do trem que o levará não sabe pra aonde.

Desistiu das desculpas nunca vindas; a nobreza não habita corações de rocha.

Memórias lhe vêm às noites frias e chuvosas. Não lamenta o tempo perdido, não foram tempos perdidos, conclui.