E então eu tirei os óculos, as calças… Pus um short, lavei o rosto e virei Henrique. Pois precisava ser ESCRITOR num nível um pouco mais elevado do que vou sendo, quando fico vestindo facetas.

Ela agarrava meus braços e falava de como o SEU DEUS era grande, enorme… E como ele estava com ela e com aqueles e aquelas que acreditavam nele do jeitinho que ela acreditava.

E com os outros…? Os outros não. Os outros esperavam pra ser punidos, apenas não sabiam disso. Mas ela sabia. Ela parecia que tinha vivido na casa de Deus antes de estar ali, ao meu lado. Ela era a faxineira de Deus. Ela era a governanta de Deus. Ela era a cozinheira de Deus. Ela fora a babá do filho e dos anjos. Ela era cuidadora dos pais idosos de Deus. Portanto, ela conhecia demais tudo aquilo.

Então, quando ela finalmente dormiu, eu – exausto – precisei pôr uma sonata para violino de Camile Saint Saens chamada (no bom português): “Dança Macabra”. E eu agora era Henrique Britto; sem facetas comendo um sanduíche. Eu balançava a cabeça de um lado pro outro lentamente seguindo o violino como se o inferno (aquele a que ela dizia esperar tanta gente…) fosse um lugar gostoso de morar.

Ela caía em graças e ela era a cabeleireira de Maria. Ela era a camareira dos doze apóstolos. Ela era designada a enfiar um abacaxi no rabo do Judas todas as sextas-feiras e domingos após o churrasco. Ela era muito próxima do “DONO DA ZORRA TODA”. Era muito íntima. Era a terapeuta de Deus. A professora de Yoga de Deus. Mas agora… Ela pegava meus braços e me dizia coisas que em vez de me acalantar, me deixavam extremamente ansioso. Tudo parecia muito rígido, muito intenso, muito… Apocalíptico.

E eu parecia muito fraco, e ao mesmo tempo me sentia proibido de chorar… E também proibido de sorrir e de me divertir com as coisas MACABRAS, que eu gosto de ver e rever. O meu humor ácido recebendo altas doses de Sonrisal, diretamente dos Jardins do Éden. O Deus dela estava me olhando através dela. No final das contas, de tanto falar de Deus… o que eu via nela eram enormes chifres de bode bronzeado e moreno. Um demônio de lindas pernas e sorriso insano.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 16/04/2024
Reeditado em 16/04/2024
Código do texto: T8043159
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.