Um Anjo entrou no sistema

Há acontecimentos na vida que não possuem explicação fácil, e são coisas desse tipo que, às vezes, é bom relembrar.

Como a maioria das pessoas de minha idade, fui um dos primeiros a ingressar na rede social Orkut. Era uma novidade total, e perdemos saúde e juventude naquele meio virtual. Era ainda o tempo da Internet discada, e esperávamos até meia-noite para pagar menos pelo serviço (vem desse tempo o vício de dormir tarde e pouco).

Entrei nessa rede bem no começo, em 2004. Quando chegou 2010, mais ou menos, eu passava por várias dificuldades. Dentre essas, a única dificuldade real era a falta de Deus. Como muitas das pessoas de minha idade, eu não ligava para Deus ou para a religião, embora não fosse realmente hostil ou negador nem de um, nem de outro. O sinal mais claro disso era a inexistência de comunidades religiosas dentre as que seguia no Orkut. Era a indiferença religiosa, que desembocava num ateísmo passivo, mas prático.

Engraçado que, mesmo pertencendo a uma geração que teve uma educação bastante politizada, tampouco seguia comunidades dedicadas a temas políticos. Eu lia sortidamente sobre um acontecimento ou outro, como visitante de comunidades versadas no tema; às vezes lia com mais interesse, às vezes lia por tédio. Não era entusiasta do socialismo, nem de suas pautas, nem de sua história, e nem de suas figuras proeminentes de ontem ou de hoje.

Contudo, eu era inscrito em duas comunidades sobre música. Uma era a "Rock & Cultura" e a outra era "Genesis". A primeira era moderada principalmente por gaúchos e catarinenses, a segunda era capitaneada por um baterista carioca.

Conversávamos primordialmente sobre música, e com frequência sobre todo tipo de assunto. Era como um barzinho on-line, com conversas intermináveis e interessantíssimas. A "Rock & Cultura" tinha à sua frente senhores e senhoras da idade de meus pais, enquanto que a "Genesis" era formada por jovens músicos mais novos do que eu.

Só que faltava Deus... e na década dos anos 2000, eu me encontrava numa situação tão miserável que sequer conseguia ou era levado a proferir um Pai Nosso ou Ave Maria que fosse.

Mal sabia que a movimentação religiosa e política naquela rede social ingênua era qualquer coisa, menos fria ou ausente. O Orkut, em determinados nichos, era o criadouro de grupos de estudo e militância de direita, assim como da vertente católica tradicional. Foi lá (ouvi dizer) que o ensaísta Olavo de Carvalho "levou uma surra" do saudoso Professor Orlando Fedeli, que desmascarou o outro como um falso católico, surra essa da qual Olavo nunca conseguiu se recuperar.

Nunca suspeitei disso, e só fiquei sabendo desses acontecimentos muitos anos depois. Eu sequer ouvira falar dos mencionados personagens até aquela altura. Eu era totalmente alheio a esses grupos e temas.

Todavia, Deus me buscava, queria-me de volta, só que eu era incapaz do menor gesto de retorno ao Pai e, então, Nosso Senhor e Salvador lançou mão de um recurso inesperado.

Por volta de 2010, apareceu uma jovem em meu perfil do Orkut com pedido para adicioná-la. O fiz e notei que se tratava de uma jovem bastante religiosa, católica praticante, que seguia algumas comunidades dedicadas a temas católicos. Olhei e, no mais, fiquei na minha. Dificilmente eu daria muita atenção a algo ou a alguém que não fosse das comunidades de música a que eu pertencia, ou que não fossem meus colegas de faculdade ou vizinhos de endereço.

Lembro-me - muito vagamente - que a jovem tinha por nome Andressa, era parda, tinha traços finos e cabelos compridos e encaracolados. Ainda esses dados são um tanto vagos, como mencionei, e de outras coisas relativas a ela não me recordo e não me lembro sobre o que teclamos, nas poucas vezes que o fizemos. Por certo falamos sobre Deus e religião, só que, realmente, não me lembro. Era uma "amizade virtual" de quase nenhum envolvimento.

Pouco tempo depois, em outubro de 2011, excluí o meu perfil do Orkut. A novidade daquela rede social passara e havia se reduzido a "uma terra de ninguém". Havia muito envio de mensagens de spam com links maliciosos ao meu mural de recados e todo mundo tinha em seus perfis o jogo "Colheita Feliz" e os bonecos dançantes tridimensionais do "Buddy Poke" em suas páginas iniciais, o que me deixava nervoso.

Pouco tempo depois, entrei no site "Skoob", que é sobre livros e indicações de leituras. Lá, dentre outros seguidores, me apareceu um frade franciscano em formação. Ele usava óculos e estava com o hábito marrom na foto do perfil. Parecia uma boa pessoa. Em sua lista de livros havia muitos títulos de intrincada e moderna teologia, além de muitos exemplares de livros de filosofia, que não me despertaram nem um pouco o interesse. Nunca falei com ele, cujo nome sequer me lembro.

Por outro lado, passou a me seguir uma jovem, de nome Aline, que tinha um rosto de expressão bem doce e amena, cabelos loiros curtos, olhos castanhos amendoados, e sua tez era bastante clara. Ela simplesmente me indicou um livro e excluiu o perfil de forma praticamente instantânea. O livro era "Sim, sim; não, não", do Monsenhor Jonas Abib, que explica os erros do espiritismo e traz orações de libertação dessa forma só aparentemente inofensiva de paganismo.

Eu fiquei com o título do livro muito vivo na mente, e sem titubear passei numa das livrarias-sebo que costumava frequentar em minha cidade e adquiri um exemplar usado, o qual li com muito proveito. Era o ano de 2014 e eu já assistia também com proveito os vídeos do Padre Paulo Ricardo em seu canal no YouTube.

Um amigo a quem contei essa história, católico praticante desde a catequese de Primeira Comunhão, pessoa de muita reflexão e oração, formou a respeito a firme convicção de que tanto a Andressa do Orkut, quanto a Aline do Skoob, não eram pessoas reais. Elas eram disfarces que meu Anjo da Guarda usou para me converter. Ou seja, os titulares daqueles perfis virtuais não eram humanos. E que Deus estava com muita pressa, e ciente da má situação em que me encontrava e dos perigos que me rondavam, e os quais eu não percebia.

Vindo esse parecer de quem veio, vi-me compelido a acreditar que era verdade. E, não sem algum pesar, considerei que o pobre frade, com seu cabedal de estudos histórico-críticos, filosofia moderna e teologia da libertação, não conseguiu me mostrar Deus. Entretanto, eu não seria louco de recusar dele as orações, as quais, com toda certeza, vieram em excelente hora.

Pouco tempo depois, até mesmo o perfil no site "Skoob" eu também excluí. Embora seja algo largamente aceito no Brasil de hoje em dia as pessoas terem presença em redes sociais e similares, na prática, mais atrapalha do que ajuda.

Redes sociais e similares são uma forma de entretenimento de baixíssima qualidade, que fomenta a procrastinação, a bisbilhotice, a falsidade e a inveja. Não é algo que agregue valor à vida de alguém. E mesmo o argumento de que ter perfil em redes sociais seria uma "forma de humildade", pois seria por meio dela que alguém mostraria que "não se envergonha de suas raízes", trata-se de um engano.

Só uma pessoa muito aferrada à carne e ao respeito humano para considerar que seria bom manter contatos mediante ignorar que as pessoas mudam com o tempo. Há pessoas que tentam "atar todas as pontas da vida" por meio das redes sociais, e adicionam indivíduos de todas as fases e contextos de sua vida passada. Imaginam que assim manterão íntegro o tecido de suas vidas (eu mesmo pensava assim no tempo do Orkut). Mas é simplesmente impossível.

Afinal, as pessoas mudam e fazem escolhas tão díspares às nossas, que é impossível mesmo adicioná-las em redes sociais. E só mesmo uma pessoa muito carnal e egocêntrica para achar que seria bom ou desejável ter contato desde os coleguinhas do pré-primário, passando pelos vizinhos dos diferentes endereços e escolas em que estudamos, até os colegas de trabalho das empresas em que trabalhamos. Só pensa assim uma pessoa que não se converteu realmente e nem desenvolveu uma vida efetiva de oração.

No mais das vezes, Deus nos favorece PERDER CONTATO com as pessoas que passaram por nossas vidas, seja porque uma vida autenticamente católica não faz sentido à maioria das pessoas que nos conheceu, seja porque tendemos a gastar atenção excessiva com os outros e cultivar a amizade da maneira que fazíamos é impraticável a alguém que realmente pertence a Deus e foi transformado por Nossa Senhora.

Assim, é justamente por sabermos com mais realismo e humildade acerca de nossa miséria abismal, que a abdicação às redes sociais e aos contatos excessivos é um imperativo para quem deseja intimidade com Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor e Redentor tem de ser o centro, sempre, claro, mediante a uma acendrada devoção a Maria Santíssima. É com eles que é imprescindível tratar com frequência e profundidade. Tudo o mais passa a ser regulado em função deles, incluindo nosso trato com o semelhante e as nossas recordações.

Não tenho contato algum com os senhores e com os músicos com os quais conversava nas comunidades de música do Orkut. O mesmo ocorre com a maioria das pessoas com quem estudei ou trabalhei até hoje. Não conservei com ninguém, exceto duas pessoas. Não haveria como ser diferente. A conversão mexe com todos os âmbitos da vida, e de forma muito profunda. Seria loucura insistir num convívio, mesmo que só on-line, com ateus, materialistas, pagãos ou evangélicos, gente aferrada ao pecado e ao seu jeitão de sempre de ser.

Deus faz uma profunda limpeza em nossa pessoa e em nossa vida. Isso não significa "negar as próprias raízes" mas, sim, ordenar toda a nossa vida ao caminho de santidade e à salvação no Céu.

Rafael Aparecido
Enviado por Rafael Aparecido em 15/04/2024
Reeditado em 20/04/2024
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