Renascimento
Se um dia eu rezei, foi com certeza para ter uma vida mais própria. Confesso que rezei sim. Só que eu não pensava que seria assim. Eu imaginava nossas vidas brindando o cotidiano como brindavam nos verões de Capão. Afinal, quem nunca experimentou a sensação de se sentir mais feliz longe de sua casa, na verdade, nós saíamos do nosso campo de batalha.
Ainda choro sua partida e tenho comigo sua jaqueta sem zíper. O mundo girou todo de uma vez e, ainda, parece tremer. Entendo que estou tateando todas as novidades e que é normal eu não me sentir segura de um todo. Afinal, essa foi a terceira vez que meu mundo sacudiu.
Um ano e meio. Faz exatamente 1 ano, 7 meses e 4 dias que ele se foi. Ainda lhe tenho na mente como na primeira vez há 15 anos. Sua voz é presente em meus ouvidos e seu cheiro ainda está impresso na minha alma.
Há um mês e 2 dias, teríamos feito 15 anos!
E naquela primavera em que ele partiu, meu mundo desabou para se reerguer noutro lugar. Agora não sinto mais o cheiro da terra molhada e nem vejo os cavalos nas esquinas. Não vivo mais o nosso sagrado. Mas não porque não quero!
Estou como se eu tivesse partido, pois nada à minha volta é conhecido. Mudei de casa, de região, até de médicos e… Também não pude mais aguentar o local de trabalho. Abandonei a função que, mesmo gratificada, me tornava menor do que sou, e quando digo menor é exatamente nesse sentido. Agora, mesmo com tudo diferente, sinto-me mais aliviada. Não vejo mais minhas amigas! Esse foi o preço que paguei por querer me libertar!
Precisava me realizar novamente, sonhar de novo. Não faço mais compras naquele mercado, nem tenho mais os velhos conhecidos nem tampouco a família, a sua família. Esta me abandonou por inteiro! Me senti expulsa de suas vidas, já que ninguém me ofereceu apoio por todo esse tempo. Difícil de acreditar, mas já aceitei. É melhor assim, afinal me sugavam e oprimiam até eu não ter nem ar pra respirar, pois vivia me espremendo para caber em seu círculo.
Já não permito mais tantas invasões sobre meus domínios. Aprendi que jogar preto no branco imediatamente à necessidade me livra de adoecer. Aliás, mudei muito também. Optei pela paz. De guerra travada permanentemente bastou o tempo em que lutamos lado a lado pelo nosso casamento, sempre alvo de ataques. Hoje escolho minhas batalhas e decido quais devo lutar e quais devo abandonar. E aprendi que, muitas vezes, para vencer a guerra é preciso abandoná-la.