Calamus discimus

 

Embora, por falta de recursos financeiros à época, não tenha concluído o curso, fui, com muita honra, aluno do escritor e professor Napoleão Mendes de Almeida, cultor invulgar do português e do latim, sem dúvida alguma, um dos maiores gramáticos e latinistas brasileiros de todos os tempos. Autor de três obras consagradas, Dicionário de questões vernáculas, Gramática Latina e Gramática metódica da língua portuguesa, Napoleão Mendes de Almeida era um exímio, um inexcedível conhecedor apaixonado da língua portuguesa e da língua latina, razão por que não pode jamais ser esquecido.

 

Hoje, estudante de licenciatura em Letras, não ignoro nem menosprezo o valor da linguística, ainda mais acentuado nos tempos atuais, com seus ensinamentos modernos. Não ignoro nem menosprezo, longe disso. Gosto muito de linguística, mas não descuro da gramática prescritiva (também chamada normativa, pedagógica ou tradicional), à qual tenho dedicado muitas e muitas horas de estudo ao longo da vida, e, assim, continuo um seguidor fiel das lições do meu professor inesquecível. Ninguém mais do que Napoleão amou a língua portuguesa e a honrou, sobremaneira, dedicando-lhe toda uma vida.

 

Por isso tudo e devido a um comentário que fiz hoje como aluno de Letras, em uma webconferência do Centro Universitário Senac de São Paulo, foi que, para relembrar uma das muitas e riquíssimas lições do mestre, resolvi escrever ligeiramente sobre a locução calamus discimus, da lindíssima e a cada dia mais esquecida língua em que pontificou Cícero. O professor Napoleão, tão dedicado ao latim quanto ao português, gostava muito dessa, assim como de tantas outras expressões e ensinamentos da língua de Cícero. Gostava, pois, de dizer ou escrever nas suas lições: “Calamus discimus.

 

Calamus discimus quer dizer “aprendemos com o lápis”. Daí o grande professor gostar sempre de lembrar a seus alunos e leitores: “Calamus discimus.” E acrescentava: “É escrevendo que se aprende.” Ou, ainda: “É com o lápis, é escrevendo, é tomando notas que aprendemos” (ALMEIDA, 1998, p. 79).[1] Aliás, faz-se muito oportuno recordar aqui a confissão de Santo Agostinho, lembrada frequente e solenemente por Napoleão, nos seus escritos e falas: “Calamus et scripta fecerunt me doctorem.” Traduzido em português: “O lápis e os escritos tornaram-me douto.”

 

Ele, Napoleão, nunca é demais relembrar, fundou, salvo engano, em 1938 e manteve até sua morte, em 1998, um curso de português por correspondência, composto de 104 lições, com uma lição por semana. Tinha também, com a mesma periodicidade e o mesmo número de lições, um curso de latim. Seus alunos eram profissionais de nível superior das mais variadas categorias, de altas condições sociais (advogados, juízes, promotores, médicos, padres, professores, e assim por diante). Tanto o curso de português, do qual fui aluno, quanto o de latim tinham renome internacional. Como se diz na gíria, o homem era fera.

 


[1] ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de questões vernáculas. 4. ed. São Paulo: Ática, 1998.