Estocadas dolorosas

Era pra ser mais um dia de conversas e entendimentos, coisa de gente civilizada, adulta. Infelizmente não foi nada disso, nem chegou perto de ser.

Namorava uma garota, mais ou menos um ano e meio, com quem pretendia levar a coisa até o altar.

Bem disposto, naquele dia de folga, um sábado muito ensolarado, que prometia felicidade, como já descrevi, só que não...

Depois de me arrumar, por volta de umas 14h00, parti em direção à casa da namorada. Como de costume, ela estaria me aguardando para o almoço, que por lá, seria servido umas 15h00. Isso era o costume da família dela, pois em todos os finais de semana, sábados e domingos, se reuniam todos e era a maior festa. Gostava muito daquela prática familiar, que na minha casa, não tínhamos o hábito; acontecia somente em datas festivas, Natal, Ano Novo, Páscoa, e isso era com muito empenho por parte dos meus avós. Meus pais, não davam muita importância para reunir a família. Minha mãe, odiava visitas. Até as recebia, mas quando iam embora, ela despencava a falar mal delas, sempre por trás, repudiava essa postura desnecessária.

O almoço em família, na casa da namorada fora excelente. Jogamos um bilhar na sala de jogos da casa dela, e fomos assistir um filme em vídeo, coisa que sempre fazíamos. O vídeo cassete era o astro principal dentre os eletrônicos lançados no país, naquele ano.

Depois do filme, resolvi ir à minha casa, com a namorada, a fim de socializarmos com minha família. Seria mais uma tentativa, depois de várias que não haviam dado muito certo. Lá fomos nós, e quando chegamos, fomos recebidos pela minha avó Lála. Sempre bem humorada, ela era muito agradável. Entramos e fomos para a cozinha da casa. Lá, sentamos à mesa e iniciamos uma boa conversa.

Meu pai havia chegado há algum tempo. Estava no quarto, com minha mãe.

Meus irmãos não estavam em casa, somente Débora estava. Logo veio e sentou-se conosco.

De repente, surgiu meu pai e minha mãe. Meu pai se sentou, e passou a conversar com minha namorada. Minha avó se levantou e foi para a pia, fazer algumas arrumações. Minha irmã ficou calada e perto de minha namorada. Eu não falava nada, só observava.

Minha mãe, ocupou parte a da mesa da cozinha e passou a abrir massa de pastel. Anunciou que fritaria alguns pasteis para nós. Estranhei muito aquela atitude dela, mas podia-se esperar qualquer coisa daquela pessoa.

A conversa estava boa, e minha mãe ao fogão, já fritando os pasteis. Tudo parecia estar fluindo bem. Algumas piadinhas, sem graça, que meu pai fazia questão de lançar, mas tudo bem.

Minha namorada, estava meio sem graça, só observava meu pai contando sobre o serviço que fazia na Guarda Civil de São Paulo. Eu, apenas observava, mas de repente, me veio a ideia de pegar um, dos muitos pasteis que já enchiam uma grande travessa. Achei que poderia experimentar, apenas um. Fui até o fogão, ao lado de minha mãe, e apanhei um pastel. Não devia tê-lo feito. De pronto, senti uma tremenda dor em meu lado esquerdo, na região do baço. Uma tremenda fisgada dolorosa. Parecia que havia sido atingido por uma coisa cortante e quente ao mesmo tempo. Minhas pernas amoleceram e caí de joelhos. Foi então que olhei para baixo, e na minha linha da cintura, do lado ao lado esquerdo, pude ver quatro furos profundos. Não havia sangue! Estavam brancos e doía muito, profundamente.

Todos que lá estavam, se assustaram com minha queda e meu grito de dor.

Meu pai se levantou rapidamente, veio em minha direção e me ergueu, e foi daí que ele pode visualizar o que havia ocorrido.

Minha mãe, como se na tivesse acontecido, continuou passiva, fritando os pasteis.

Minha namorada se levantou e veio em minha direção. Viu o que acontecera comigo, e logo falou, para irmos embora.

Meu pai virou-se para minha mãe, e começou a questioná-la sobre o ocorrido. Sobre a estocada que ela havia me dado com o garfo quente, e foi daí que ela, num gesto rápido e tresloucado, enfincou o garfo no antebraço esquerdo de meu pai. Ele não deu um grito sequer. Ficou pálido na hora. Arrancou o garfo que estava enfiado em seu antebraço, e foi para o banheiro.

Dona Leny, como se nada tivesse acontecido, permaneceu de boa. Continuou a fritar mais algumas unidades, colocou a travessa sobre a mesa e falou:

- Comam à vontade! A escrava já fez tudo!

Foi para o covil, quer dizer, quarto e batendo a porta, se recolheu.

De pronto, minha avó veio em meu socorro com algodão embebido em álcool, depois o tal iodo. Pediu desculpas à minha namorada pelo que tinha acontecido.

Até hoje, nunca soube o resultado sobre a estocada que meu pai levou no braço.

Nos despedimos de minha avó, e fomos embora. Não havia mais nenhum clima para permanecermos por lá. A coisa ficou muito séria, o melhor mesmo era ir embora, sair das vistas da minha mãe, pois ela poderia sair do quarto e fazer coisas piores na frente de minha namorada, que não estava acostumada àquelas atrocidades e violência.

No caminho para a casa dela, que ficava três estações de metrô da minha casa, ela comentou que minha mãe era maluca. Nada respondi. Fiquei trincado de dor e de vergonha. Pedi a ela que nada dissesse para seus pais e irmãos, que esquecesse aquele dantesco episódio.

Esse é mais um relato verídico. Tinha 19 anos, na época, e não conseguia entender porque minha mãe não conseguia ser normal, vivia causando. Dessa vez, a coisa havia sido bem grave. O ferimento feito pelo garfo em meu abdômen, não havia causado tantos danos, mas demorou um bocado para cicatrizar. Talvez, até hoje, não tenha cicatrizado em minha mente...

Claudio Falcão
Enviado por Claudio Falcão em 15/04/2024
Código do texto: T8042180
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