Depois das seis
As proximidades do fim da tarde, quando o aroma do café se despia no ar, a misturar-se com aquele cheiro forte e viciante de tabaco, oriundo da Souza Cruz tia Glória pediu ao Betinho pra ir comprar o pão na taberna do seu Vicente, que ficava do lado direito de quem subia, para a praça brasil, quase no inicio da rua, cruzamento da Soares Carneiro com a Municipalidade ou na padaria da esquina da Ferreira Pena, que normalmente se ia pela entrada de uma vila. E ele, criança, que era, nessa hora, em que a liberdade de ir e vir lhe abria a porta, soltava da alma a sua alegria reprimida, pelas férias castigo.
Em sua casa, a idéia de sua mãe, por causa de sua travessura, ou por causa de suas notas na escola e também pelo medo de sua mãe em deixá-lo a bel prazer na rua da periferia, preferia confiná-lo a casa do seu irmão Carlos com sua esposa Gloria, que não tinham filhos. Soando pra sua tia como um trabalho a mais, porque ela não o recebia pelo prazer de tê-lo ali, mas pelo compromisso de ser a companheira do seu tio. Eis o que ela sempre pensava ou dizia:
- Tu já vens empecilho.
Sem dizer nada, ele ficava sob regime fechado, porque dali só punha a cara na porta, pra comprar alguma coisa na padaria, pra ir ao supermercado com eles e raramente brincar aos domingos, quando o seu tio estava de folga ou de bom grado, pra deixá-lo ir com os seus únicos dois amigos...Júnior e Odenir. Onde na calçada de vários vizinhos brincavam de policia ladrão, futebol ou de guerra, por um curto período da manhã.
Para não adoecer de tristeza, depressão ou aquela imensa saudade de seu mundo, de sua avó, sua mãe e seus amigos de infância alimentada pela solidão, que tão cedo o corroía, ele inventava outro mundo.
Dos anos que ali ele ficou reprimido e sem regalias, via a sua liberdade até de falar confiada ao silêncio de sua imaginação e criatividade. Naquele espaço, ele tinha que caminhar a passos de regras duras... não podia fazer barulho após o almoço, não podia ir pra rua jogar bola, não podia conversar com ninguém, não podia ver televisão, porque o aparelho ficava no quarto do casal e quando podia, só assistia a programação da sua tia. E se tinha fome de madrugada comia farinha seca sem fazer zoada. E se tinha medo de relâmpago ou do escuro, quando acordava, tinha que inventar, que o seu amigo lençol lhe agasalhava.
De tantos não, havia aquele sim, de ir a padaria vez por outra. E naquele sub titulo, seu coração aproveitava pra respirar, pra ver o mundo de outro lugar, pra sentir o perfume das flores, pra sentir o ar da brisa da baia do Guajará, o cheiro das mangas ou, quando acontecia sentir a chuva na pele entranhar.
Aquele menino, cujos olhos parados, subservientes ao que fora atentado, sem conhecer da ordem politica do país, vivia a agonia da ditadura. Só no quintal, entre os muros altos olhava para o céu azul e não entendia porque não podia empinar um papagaio, porque não podia correr lá fora... não entendia os por quês. Mas tentava seguir a cartilha pra quem sabe voltar pra casa, por bom comportamento, situação, que nunca acontecia.
A casa pra quem via de fora, se dispunha num terreno límpido, com flores de algodão, onde um açaizeiro solitário abrigava dos pássaros vários louvores canções. No entanto, a casa em si parecia, que não havia ninguém ali. portas e janelas fechadas e um silêncio mórbido, que todo os dias sombreava os momentos. E quando alguém arriscava bater; o som da versão de cada batida, ainda que equivocada provocava o coração daquele menino, uma procela de esperança e emoção, talvez o atendimento de suas orações, mas que em segundos perdia-se em falsas ilusões.
Da alma ao rosto daquela criança, as lágrimas fecundavam amarguras e tristezas de um possível abandono. Os dias eram contados como numa cela de campo de concentração, cujos riscados afogavam-se nas profundezas do seu pequeno coração.
As vezes, a saudade, como um rito de promessa, aguçava com as seis horas da tarde, coincidindo com a saida do trabalho de sua mãe, que as vezes não tinha dinheiro pra voltar de ônibus, ou por qualquer outro motivo , se dava ao luxo de volta pra sua casa a pé, pois resolvia economizar na situação. O pensamento dele buscava o dela em oração, pra que ela se arrependesse e fosse tirá-lo daquela, que ele considerava prisão. pois bem raro eram os momentos em que se sentia parte daquela fração. Na maioria das vezes sentia a rejeição. Mas engolia com o choro engasgado na garganta.
Se passava das seis, sabia que teria que sobreviver mais um dia naquela situação, pior era, quando sua mãe só passava pra ver como ele estava, mas antes não ter ido, porque a dor do acontecido perturbava a sua razão e ele ficava mais enfraquecido.
O pior período era das férias de fim de ano, que duravam de dezembro a março, onde ele nem sabia quando a dor terminava. Mas quando as esperanças já nem aliviava, do nada, as vezes sua mãe chegava para o levar embora e a felicidade era tanta, que ele nem ligava, pra tudo o que só ele sabia, que passava.
Como uma criança que era, se despedia todo contente e sorridente, de sua tia e com a sua roupinha na trouxa, como o desenho do ano novo indo embora, na folhinha da sala ele seguia a sua mãezinha, sob êxtase de uma incontrolável felicidade.